Investimento climático cresce 157% no Brasil, mas segue distante dos setores que mais emitem

Mesmo com salto expressivo nos aportes para enfrentar a crise climática, estudos mostram que o dinheiro segue concentrado na energia, enquanto florestas, uso do solo e adaptação continuam subfinanciados no país.

Recursos em energias renováveis lideram a lista de investimentos renováveis no Brasil. Crédito: José Cruz/Agência Brasil
Recursos em energias renováveis lideram a lista de investimentos renováveis no Brasil. Crédito: José Cruz/Agência Brasil


O investimento climático no Brasil registrou um salto significativo ao longo dos últimos quatro anos. De acordo com levantamento da CPI/PUC-Rio, os recursos destinados ao enfrentamento da crise climática chegaram a US$ 67,8 bilhões (R$ 360 bilhões) em 2023 — um aumento de 157% em relação a 2019. Apesar do crescimento expressivo, o fluxo financeiro permanece concentrado em setores que não representam o maior peso das emissões brasileiras.

Grande parte do aporte continua direcionada à geração de energia elétrica, responsável por uma fração reduzida dos gases de efeito estufa emitidos no país. No biênio 2022/2023, 44% de todo o financiamento climático brasileiro foi destinado a projetos de energia, especialmente impulsionados pela construção de usinas solares às vésperas do fim dos subsídios em julho de 2023. Os investimentos em energia solar saltaram de US$ 9,5 bilhões para US$ 22,4 bilhões no período.

Enquanto isso, setores críticos para a redução das emissões — como florestas e uso do solo — continuam recebendo recursos insuficientes. O estudo destaca que, apesar de aumentos pontuais, a alocação ainda está desalinhada com o perfil das emissões nacionais, fortemente concentradas no desmatamento e na agropecuária.

Recursos crescem, mas eficácia é limitada

A agricultura e o uso da terra viram o financiamento dobrar, mas grande parte desses recursos está ligada ao chamado crédito rural “alinhado ao clima”, cujos resultados nem sempre são comprovados. Um dos levantamentos da CPI/PUC-Rio mostra que, após quatro anos, três quartos das áreas beneficiadas por empréstimos para recuperação de pastagens permaneciam sem mudanças efetivas.

Segundo Juliano Assunção, diretor executivo da CPI/PUC-Rio, parte substancial desse crédito não está necessariamente vinculada a resultados mensuráveis. “A restauração de pastagens é uma das principais linhas, mas nem sempre acompanhada de fiscalização adequada”, afirma.

A situação é ainda mais crítica no financiamento para florestas. Entre 2019 e 2023, os recursos destinados à área despencaram de US$ 1,5 bilhão para apenas US$ 254 milhões. O cenário contrasta com o fato de que desmatamento e agropecuária respondem por mais de dois terços das emissões brasileiras.

BNDES acelera projetos, mas concentração persiste

Desde 2024, o BNDES tenta reverter o quadro e anunciou ter mobilizado R$ 7 bilhões para iniciativas de restauração e proteção florestal. Ainda assim, dados do próprio banco mostram que cerca de 55% dos recursos aprovados pelo Fundo Clima continuam indo para a transição energética. Usinas solares representam quase um terço das operações contratadas — justamente o setor apontado por especialistas como responsável pelo atual excesso de energia no sistema elétrico brasileiro.

A concentração de investimentos não é exclusividade nacional. Globalmente, quase metade do US$ 1,8 trilhão gasto em 2023 também foi direcionada ao setor de energia. No Brasil, o setor de transportes aparece timidamente no financiamento climático, com apenas 10% das aprovações do Fundo Clima, apesar da crescente eletrificação da frota no mundo.

Adaptação segue fora do foco

Além da má distribuição entre setores emissores, o país enfrenta dificuldades na alocação de recursos para adaptação — medidas que preparam a sociedade para eventos climáticos extremos, como enchentes e secas. Apenas 7% dos recursos entre 2022 e 2023 foram destinados a esse tipo de iniciativa. Em 2025, o BNDES aponta que os projetos de adaptação correspondem a apenas 10% do valor aprovado para mitigação.

O cenário global também revela negligência. Apenas 2% do financiamento climático internacional é aplicado em adaptação, segundo Rogério Studart, conselheiro do Hub de Economia e Clima do ICS. “Quando aumentam as enchentes, são as populações mais pobres que sofrem”, afirma. “A prioridade deveria ser saneamento, moradia de qualidade, infraestrutura básica, pontes e diques.”

O contraste entre o volume crescente de recursos e a baixa capacidade de impactar os setores que mais emitem segue como um dos principais desafios para o Brasil.

Referências da notícia

Jornal de Brasília. Investimento climático cresce 157% no Brasil, mas deixa de lado setores com mais emissões. 2025