A história do falso "fazedor de chuva" que causou um desastre na Califórnia

Manipular o clima é um sonho acalentado pela humanidade. Isto já foi tentado por meio de orações, danças, magia e às vezes com ciência, mas sempre com resultados duvidosos.

The Rainmaker, com Burt Lancaster e Katherine Hepburn
O mais famoso "criador de chuvas" da história inspirou uma produção de Hollywood estrelada por Burt Lancaster.

Charles Mallory Hatfield foi o mais famoso "criador de chuvas" de todos os tempos.

Nascido em 1875, percorreu durante muito tempo os povoados como vendedor de máquinas de costura, até encontrar um tratado sobre uma pseudociência chamada "pluvicultura", ou criação artificial de chuva, muito em voga no início do século XX.

Sabedoria ou charlatanismo?

Os “pluvicultores” moviam-se com facilidade na linha tênue que separava a ciência da fraude, motivados pela possibilidade de ganhar dinheiro fácil diante do desespero dos agricultores.

A pluvicultura despertou em Hatfield um grande interesse em investigar os processos da atmosfera e experimentar diferentes produtos químicos em busca de seu objetivo: fazer chover e ganhar dinheiro.

Testes com produtos químicos
Hatfield fazendo experiências com mistura de produtos químicos. Assim, ele alcançou a fórmula ideal para criar nuvens de chuva.

Após inúmeras tentativas, finalmente em 1902 e através da combinação de 23 produtos químicos dispostos em um tanque de evaporação a quatro metros de altura, Hatfield conseguiu formar as nuvens que possibilitaram a chuva.

Eu não faço chover. Seria uma afirmação absurda. Simplesmente atraio nuvens e elas fazem o resto.

Hatfield cobrava dos agricultores U$S 50 dólares por chuva. Logo, começou a cobrar uma taxa fixa por cada polegada (25 mm) de chuva que caía, e assim muitos agricultores o contrataram.

Chuva de êxitos

No final de 1904, vários jornais locais elogiaram seu vigésimo grande trabalho de sucesso, realizado em Los Angeles, a ponto de afirmar: “Acho que ficou demonstrado claramente que posso trazer chuva". Depois de apenas um ano de trabalho, a reputação de Hatfield aumentou a ponto de cobrar U$S1.000 dólares (uma fortuna) por trabalho em 1905.

    Hatfield e os tanques para sua mistura misteriosa
    À esquerda, o tanque de evaporação da misteriosa mistura. À direita, Hatfield no processo de preparação dos produtos químicos.

    Nos anos seguintes, a empresa fundada por Hatfield foi muito próspera, sem prejudicar o confronto com a comunidade científica e até mesmo com o Serviço Meteorológico dos EUA.

    Em 1915, a Câmara Municipal de San Diego solicitou seus serviços para encher o Reservatório do Lago Morena. Eles concordaram em um pagamento de U$S 10.000 dólares para encher o reservatório e fornecer até 50 polegadas (1250 mm) de chuva ao longo de 1916.

    Em 1º de janeiro de 1916, Hatfield começou seu processo: eles construíram uma torre com seu tanque perto do reservatório, o encheu com seus produtos químicos e o lançou na atmosfera. Depois de cinco dias, começou a chover.

    E a enchente não parou

    Em 27 de janeiro, a barragem ficou sobrecarregada e se destruiu, inundando a cidade de San Diego. Casas, celeiros, pontes, três represas desabaram… tudo foi destruído. Houve 50 vítimas fatais e estimou-se prejuízos de U$S 650.000 dólares em danos a estruturas rodoviárias e de U$S 1.500.000 em perdas agrícolas.

    A chamada popularmente 'enchente de Hatfield' fez os moradores de San Diego o culparem pelo desastre. As ameaças de morte fizeram com que ele tivesse que fugir para salvar sua vida.

    Inundação de San Diego em 1916
    A grande enchente de 1916 causou prejuízos totais de US$ 3,5 milhões na época.

    Segundo Hatfield, ele manteve sua parte no acordo e reivindicou os U$S 10.000 acordados. Mas o procurador da cidade nunca acreditou que Hatfield pudesse fazer chover e, de qualquer forma, ele não ia receber por uma enchente. E caso fosse pago, Hatfield teria que assumir a responsabilidade pela destruição que havia ocorrido e pelos U$S3,5 milhões em perdas causadas pelo desastre.

    O caso foi ao tribunal e em 1938 foi proferida a sentença: a enchente foi um “ato de Deus”. Hatfield não recebeu nenhum dinheiro.

    O farsante

    Apesar desta catástrofe, Hatfield seguiu prestando seus serviços como "criador de chuvas" até a Grande Depressão, quando teve que voltar a vender máquinas de costura.

    Hatfield afirmou que foi bem sucedido em mais de 500 ocasiões. Isso fez com que muitos especialistas entendessem que era uma fraude como "criador de chuvas", mas muito bom como previsor.

    Em 1956, dois anos antes de morrer, foi convidado para a estreia de “The Rainmaker” (“O criador de chuva”, em português), um filme inspirado em sua vida e protagonizado por Burt Lancaster e Katharine Hepburn. Lancaster interpreta um vigarista que engana as pessoas para que pensem que os cata-ventos que ele vende são dispositivos que evitam tornados.

    No Lago Morena, uma placa de bronze com a inscrição "Hatfield. The Rainmaker" lembra sua marca na grande enchente de 1916.