Da cana ao canteiro: biovasos que combatem o plástico e nutrem o solo
Potes biodegradáveis feitos de bagaço de cana, compostos e ceras vegetais prometem substituir vasos plásticos, reduzir resíduos e turbinar colheitas: em testes, em estufas egípcias controladas, pimentas renderam 26% mais frutos e raízes cresceram ainda mais fortes.

Quando pensamos em resíduos agrícolas, normalmente imaginamos pilhas de cascas e fibras sem utilidade. Entretanto, pesquisadores da Faculdade de Agricultura da Benha University, no Egito, em parceria com a Science, Technology & Innovation Funding Authority (STDF) e o Egyptian Knowledge Bank (EKB), enxergaram nessas sobras uma solução para dois desafios globais: a montanha de lixo plástico gerado pela horticultura e a busca por práticas agrícolas mais sustentáveis.
O segredo está em um processo chamado mercerização, que remove impurezas da fibra e cria uma “cola natural” entre o bagaço e ceras vegetais, garantindo resistência e durabilidade durante o cultivo.
Do resíduo ao recurso
O bagaço da cana normalmente é queimado como combustível ou descartado em aterros. No laboratório, ele passa por uma “lavagem” em solução de hidróxido de sódio. Essa etapa elimina lignina e hemicelulose, deixando a celulose mais “desfiada” e apta a se ligar a ceras de palma e de lanolina vegetal. Depois de misturar 35 % de bagaço com compostos orgânicos como vermiculita, turfa, carvão ativado e composto, os pesquisadores prensam tudo a 60 °C, produzindo vasos de 9 cm de altura e paredes robustas.

O resultado são biocompósitos que absorvem menos água, resistem melhor ao manuseio em estufas e, ainda assim, se decompõem após o transplante. Comparados a vasos plásticos, eles reduzem em até 35 % a absorção de água, fator crucial para manter a integridade durante a irrigação diária.
Benefícios do biovaso no campo
Os experimentos em estufa revelaram que pimentas Anaheim cultivadas nesses recipientes cresceram mais vigorosamente. A análise mostrou aumento de 26% no número de frutos por planta, além de raízes mais longas e copas mais densas. Mas o valor não se resume à produtividade. Os vasos também enriquecem o solo conforme se desintegram, liberando nutrientes de forma gradual.
- Redução de plástico: cada biovaso substitui um pote convencional, evitando descarte futuro.
- Melhoria do solo: a decomposição adiciona matéria orgânica e microporosidade, favorecendo microrganismos benéficos.
- Economia de tempo: o produtor planta o vaso inteiro, eliminando o choque de transplante.
- Aproveitamento de resíduos: transforma bagaço e composto em insumos de alto valor.
Ainda que o custo inicial seja levemente maior que o do poliestireno, economias indiretas, menos plástico para descartar e menores perdas de mudas, compensam a diferença, sobretudo para horticultores que já adotam práticas verdes como venda em feiras orgânicas.
Próximos passos e impacto global
Os autores ressaltam que o próximo desafio é medir a taxa de degradação em campo aberto e estimar a liberação de nutrientes ao longo das safras. Além disso, estudar a aceitação do consumidor ajudará a calibrar preço e design, tornando o produto competitivo em viveiros de grande escala. Programas de extensão rural podem conectar agricultores a cooperativas de processamento de bagaço, criando ciclos regionais de economia circular.
A longo prazo, a tecnologia pode inspirar outras cadeias produtivas. Cascas de arroz, fibra de coco ou restos de milho podem seguir caminho semelhante, gerando biovasos adaptados a diferentes climas e cultivos. Se adotados em larga escala, esses recipientes podem reduzir milhões de toneladas de plástico agrícola por ano, aliviando aterros e oceanos e impulsionando práticas de baixo carbono.
Em um mundo que busca conciliar produção de alimentos e responsabilidade ambiental, a inovação mostra que soluções criativas podem brotar de onde menos esperamos.
Referência da notícia
Biodegradable biocomposite pots reinforced with mercerized sugarcane bagasse for sustainable agriculture and plastic waste mitigation. 17 de maio, 2025. Elashry, M.E., Khater, E.G. & Ali, S.A.