“Quase prima” do dodô: nova ave descoberta na Amazônia intriga cientistas

A perseverança de uma equipe de pesquisadores brasileiros resultou na identificação de uma nova espécie de inhambu na Amazônia: a Tinamus resonans, apelidada popularmente de sururina-da-serra. A descoberta, anunciada no início de dezembro, ocorreu na Serra do Divisor, região montanhosa localizada na fronteira entre o Acre e o Peru, considerada uma das áreas de maior biodiversidade do país.

Os estudiosos buscavam o animal desde 2021, quando um canto misterioso ecoou pela floresta e despertou a atenção dos ornitólogos Fernando Igor de Godoy e Ricardo Plácido. A vocalização, diferente das já catalogadas, tinha um tom oscilante e ressonante, inédito para os especialistas. Aquela gravação seria o início de uma investigação que levaria anos.

Durante esse período, o grupo voltou diversas vezes à região sem conseguir localizar o pássaro. A situação só mudou no fim de 2024, quando o biólogo Luis Morais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), decidiu testar uma nova abordagem: tocar o áudio gravado anos antes na tentativa de atrair o responsável pelo canto.

Técnica inovadora possibilita encontro com o pássaro

A estratégia deu certo. Ao ouvir o som familiar, os animais se aproximaram, permitindo que fossem fotografados e observados de perto. Três indivíduos foram analisados detalhadamente, possibilitando a descrição formal da espécie, publicada na revista científica Zootaxa. O nome científico, Tinamus resonans, faz referência direta ao canto que ecoava pela mata; já o nome popular, sururina-da-serra, destaca sua ligação com as montanhas da Serra do Divisor.

Além da descoberta científica em si, o encontro surpreendeu os pesquisadores pelo comportamento dócil dos animais. Em vez de fugirem ao notar a presença humana ou equipamentos desconhecidos, os pássaros se aproximaram com curiosidade. Essa atitude evocou comparações imediatas com os extintos dodôs, aves das Ilhas Maurício conhecidas pela falta de medo de predadores — característica que contribuiu para sua extinção no século XVI.

Características do sururina-da-serra e sua relação com o dodô

Fisicamente, o sururina-da-serra é uma ave de pequeno porte, de coloração variada: cabeça mais escura, com tons preto e marrom-canela que se estendem até a barriga, e dorso em nuances foscas semelhantes às da parte frontal. Apesar de não apresentar semelhança marcante com o dodô em aparência, a personalidade tranquila e a vida em um ambiente isolado — uma espécie de “ilha no céu” amazônica — reforçam o paralelo entre as espécies.

A Serra do Divisor é conhecida por abrigar ecossistemas únicos no topo de suas formações montanhosas, gerando condições de isolamento similares às de ilhas oceânicas. Esse isolamento contribui para o surgimento de espécies endêmicas, como agora comprovado com a T. resonans.

Vulnerabilidade e urgência de conservação

Segundo os pesquisadores, a população estimada da nova espécie é de apenas 2 mil indivíduos, tornando-a altamente vulnerável. Entre as principais ameaças estão o avanço das mudanças climáticas e o enfraquecimento das políticas de proteção ambiental dentro do Parque Nacional da Serra do Divisor, área que sofre pressão crescente por exploração ilegal.

Os autores do estudo ressaltam que a descoberta reforça a importância da conservação em longo prazo da região. Em suas palavras, identificar o sururina-da-serra “destaca a singularidade biológica da Serra do Divisor e seu papel como centro de endemismo montanhoso”.

Com novas pesquisas previstas, os cientistas esperam compreender melhor o comportamento, a distribuição e as necessidades ecológicas da espécie — e, principalmente, garantir que esse parente distante do dodô tenha um futuro mais promissor que o de seus antigos primos evolutivos.

Referências da notícia

G1. Descoberta histórica: nova espécie de inhambu é registrada na Serra do Divisor, AC. 2025