Pau-brasil: símbolo do Brasil ganha nova vida com esforços de conservação

De vilã da exploração à aliada da preservação e agricultura sustentável, árvore símbolo do país ressurge com protagonismo nas mãos de indígenas, agricultores e pesquisadores.

Bárbara Tupinikim, que vive na terra indígena Pau-Brasil, em Aracruz (ES), estudou engenharia florestal para "unir a ciência acadêmica e a tradicional" — Foto: Julio Bittencourt
Bárbara Tupinikim, que vive na terra indígena Pau-Brasil, em Aracruz (ES), estudou engenharia florestal para "unir a ciência acadêmica e a tradicional". Crédito: Julio Bittencourt

Em Aracruz, Espírito Santo, o cacique Romildo Teixeira lidera a terra indígena Pau-Brasil, onde os tupiniquins têm promovido o replantio da árvore que, séculos atrás, foi protagonista na exploração colonial. A presença da espécie nas aldeias, no entanto, vai além da simbologia: trata-se de uma estratégia de restauração ambiental e econômica.

Estudos recentes da Universidade de São Paulo (USP) confirmaram, por meio de análises genéticas, que os tupiniquins atuais são descendentes diretos dos povos que receberam os portugueses em 1500. A retomada de terras em 2007 permitiu o replantio de espécies nativas, inclusive o pau-brasil, após décadas de monocultivo de eucalipto que secaram nascentes e empobreceram o solo.

A indígena Bárbara Tupinikim é um dos rostos desse movimento. Formada em engenharia florestal, ela uniu saberes tradicionais e científicos para desenvolver sistemas agroflorestais em sua comunidade, utilizando o pau-brasil como parte do processo de recuperação do solo e geração de renda.

Agroflorestas e economia: o pau-brasil como aliado da agricultura

Na propriedade de Bárbara, a árvore é cultivada ao lado de alimentos e plantas medicinais. Além de sua contribuição ecológica, o pau-brasil tem se mostrado um componente eficaz em sombreamento e recuperação de solos em consórcios agroflorestais. Iniciativas como a rede de sementes Tupyguá permitem que os indígenas coletem e comercializem sementes nativas, contribuindo para a restauração de áreas degradadas.

Mesmo já aposentado, o agrônomo Douglas Muniz Lyra segue dedicado ao pau-brasil — Foto: Julio Bittencourt
Mesmo já aposentado, o agrônomo Douglas Muniz Lyra segue dedicado ao pau-brasil. Crédito: Julio Bittencourt

A prática não se limita a Aracruz. No sul da Bahia, o produtor Edmond Ganem planta pau-brasil para sombrear cacaueiros, num sistema conhecido como “cabruca”. A madeira da árvore também melhora o solo e contribui com a fixação de nitrogênio, tornando-se peça-chave na agricultura regenerativa.

Esses sistemas não priorizam produtividade máxima, mas sim resiliência e sustentabilidade. Em vez de extrair ao máximo da terra, agricultores como Ganem buscam equilíbrio, mantendo boas safras e conservando os recursos naturais.

A árvore da música: pau-brasil no cenário internacional

Outro uso valioso do pau-brasil é na fabricação de arcos para violino. Desde o século XVIII, a madeira é reconhecida como a melhor do mundo para esse fim, graças às experiências do francês François Tourte. Porém, a extração desenfreada levou a espécie à beira da extinção.

Arcos de violinos são fabricados com pau-brasil. Crédito: Julio Bitencourt
Arcos de violinos são fabricados com pau-brasil. Crédito: Julio Bitencourt

Hoje, pesquisadores como o professor Geraldo Cuzzuol, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), estudam árvores cultivadas para viabilizar um manejo sustentável voltado à indústria de instrumentos musicais. A dificuldade maior está na burocracia: mesmo para fins científicos, a derrubada de exemplares plantados exige licenças ambientais complexas e demoradas.

Na Fazenda Experimental Reginaldo Conde, do Instituto Capixaba de Pesquisa (Incaper), onde são realizados plantios de pau-brasil em sistemas agroflorestais, o ex-vaqueiro Edson Valdemar, conhecido como “Bambu”, contribui com o manejo e coleta de sementes. Ele é um exemplo da transição do uso tradicional da terra para práticas mais sustentáveis.

O futuro da árvore que batizou o país

Apesar de estar na lista de espécies ameaçadas desde 1992, o pau-brasil tem ganhado espaço em projetos de reflorestamento e agricultura sustentável. Iniciativas como as da Fundação Nacional do Pau-Brasil, liderada por Ana Cristina Roldão, filha do professor Roldão de Siqueira Fontes — responsável pelo plantio de mais de 2 milhões de mudas — mantêm viva a esperança de recuperar a espécie em larga escala.

O pau-brasil de mais de 600 anos rodeado pelo guia, Uanderson, à esquerda, e Alex e Ricardo, à direita. Crédito: Cássio Vasconcelos
Pau-brasil de mais de 600 anos rodeado por equipe de pesquisadores. Crédito: Cássio Vasconcelos

Ainda pouco conhecida pela maioria dos brasileiros, a árvore símbolo do país é uma peça central em discussões sobre identidade nacional, uso sustentável de recursos e justiça histórica. Longe de ser apenas um ícone do passado, o pau-brasil renasce como ponte entre o Brasil de ontem e o de amanhã — mais consciente, ecológico e enraizado em sua própria história.

Referência da notícia

Globo Rural. Pau-brasil: conheça os esforços para preservar a árvore. 2025