Físicos dão um passo inédito e importante na criação de relógio ‘nuclear’ ultra-preciso

Cientistas deram um passo a mais na criação de um tipo de relógio inteiramente novo baseado em pequenas mudanças na energia de um núcleo atômico: o relógio ‘nuclear’, que pode desbancar os relógios atômicos.

relógio atômico (ou óptico)
Um relógio nuclear seria mais preciso e mais estável do que um relógio óptico (como o da foto). Crédito: Andrew Brookes, National Physical Laboratory/Science Photo Library.

Os relógios atômicos medem o tempo com tamanha precisão que levam 30 bilhões de anos para atrasar ou adiantar um segundo. Eles foram cruciais no desenvolvimento de sistemas de GPS e outras tecnologias.

Mas chegou a hora dessa tecnologia de medição do tempo abrir caminho para relógios ainda mais precisos. É aí que entram os relógios “nucleares”. Nos relógios atômicos, é um átomo que funciona como oscilador, já nos relógios nucleares usa-se apenas o núcleo de um átomo, e por isso eles recebem esse nome (‘nuclear’).

Um relógio ‘nuclear’ pode medir o tempo com muito mais precisão do que os melhores relógios atômicos disponíveis atualmente, e também ser menos sensível a perturbações.

Agora, os cientistas deram um grande passo para viabilizar um relógio nuclear ultra-preciso. Depois de décadas de tentativas, eles conseguiram manipular com luz (laser) o único átomo que pode desbancar os relógios atômicos. Os resultados do experimento foram publicados na revista Physical Review Letters.

As características dos relógios atômicos e nucleares

Para construir um relógio, você precisa de duas coisas: algo que oscile periodicamente e algo que conte as oscilações.

No relógio atômico (ou óptico), é um átomo que funciona como oscilador. Os elétrons do átomo são energizados, saltando de um estado fundamental para um estado excitado (de maior energia). Quando a energia é desligada, ele volta ao seu estado inicial, liberando um fóton, correspondente à energia que havia ganho. Então conta-se a frequência dos fótons emitidos pelo átomo quando os elétrons energizados voltam ao seu estado fundamental.

feixe de laser atingindo núcleos dos átomos de tório-229
Ilustração do experimento, mostrando um feixe de laser atingindo núcleos dos átomos de tório-229 incorporados em um cristal. Crédito: TU Wien.

No relógio nuclear, o princípio é semelhante. A diferença é que, em vez do átomo inteiro, usa-se a energia que é encontrada no núcleo do átomo. O truque é energizar o núcleo atômico usando um laser, e então medir a radiação emitida pelo núcleo conforme ele retorna ao estado fundamental. A dificuldade até então era que de todos os núcleos atômicos conhecidos pela ciência, apenas um poderia servir a esse propósito: o núcleo do elemento tório-229, e ninguém ainda havia conseguido energizar o núcleo atômico do tório-229 com laser.

“Normalmente, os núcleos atômicos não podem ser manipulados com lasers. A energia dos fótons simplesmente não é suficiente”, explicou o físico Thorsten Schumm, coautor do estudo.

Um passo a mais na criação do relógio ‘nuclear’

Porém, os pesquisadores conseguiram, pela primeira vez, energizar um núcleo atômico do metal radioativo tório-229 utilizando um laser ultravioleta, fazendo-o mudar entre estados de energia. E a frequência da luz absorvida e emitida pelo núcleo funciona como o tique-taque do relógio. Esse fato foi conseguido através de uma colaboração entre a Universidade de Tecnologia de Viena, na Áustria, e o Instituto Nacional de Metrologia da Alemanha, em Braunschweig.

Para observar essa transição de um estado quântico para outro, os cientistas colocaram átomos radioativos de tório-229 em pequenos cristais de fluoreto de cálcio. Varrendo a região esperada com um laser especialmente desenvolvido, eles finalmente atingiram a frequência certa: cerca de 2 petahertz (1.015 oscilações por segundo), que detectaram identificando os fótons emitidos quando os núcleos retornaram ao estado de energia mais baixo. A equipe encontrou a frequência com uma resolução 800 vezes melhor que a encontrada anteriormente por outros pesquisadores.

Ilustração da excitação a laser de um núcleo de tório-229
Ilustração da excitação a laser de um núcleo de tório-229, com nêutrons e prótons em azul e vermelho, fazendo com que ele transite para um estado isomérico excitado (229mTh) que tem uma energia muito baixa (8.35574 eV). Quando o núcleo retorna ao seu estado fundamental, emite fótons a 148,3821 nm. Esta transição nuclear poderia ser usada como uma frequência de relógio que forma a base de um dispositivo de cronometragem extremamente preciso. Crédito: P. Thirolf/LMU; adaptado por APS/A. Stonebraker.

Para transformar isso em um relógio real, será preciso reduzir a resolução do laser, para que ele estimule o núcleo atômico na frequência certa para ser lido de forma confiável; e acredita-se que isso será possível em um futuro próximo. Segundo os pesquisadores, um relógio nuclear baseado no tório-229 pode ser cerca de 10 vezes mais preciso do que os melhores relógios ópticos (atômicos). Hospedar os núcleos em um cristal sólido também poderia ajudar a tornar o relógio mais compacto e portátil do que os sistemas ópticos.

Referência da notícia:

Tiedau, J. et al. Laser Excitation of the Th-229 Nucleus. Physical Review Letters, v. 132, 2024.