Derechos no Brasil: o que são esses fenômenos?

Em um estudo pioneiro, pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria relataram e analisaram a ocorrência de “derechos” no Rio Grande do Sul, um fenômeno atmosférico associado a ventos intensos que causam danos semelhantes aos de um furacão!

Derecho é o nome dado aos fortes ventos, que sopram em linha reta, que acompanham os Sistemas Convectivos de Mesoescala.

O derecho é um fenômeno atmosférico severo, uma espécie de tempestade de ventos intensos em linha reta de longa duração, tão violento que chega a ter o mesmo nível de intensidade e destruição de um furacão! Estes ventos fortes estão associados a um conjunto de tempestades severas alinhadas, chamado Sistema Convectivo de Mesoescala, que se move rapidamente por uma longa extensão territorial e dura várias horas.

O nome desse fenômeno tem origem da palavra espanhola “derecho” que, nesse contexto, significa “direto”, referindo-se aos ventos que sopram numa linha reta, e não adquirem uma rotação, como no caso dos tornados. Ainda não há um conjunto de critérios específicos que definem os derechos, por ainda não serem completamente compreendidos e apresentarem variações de acordo com o local onde ocorrem, mas alguns critérios existem, como:

  • Deve haver uma área concentrada de relatos de danos causados por ventos superiores a 93 km/h, percorrendo uma extensão de 400km ou mais;
  • Esses relatos devem exibir uma sequência cronológica, que acompanhe a trajetória do Sistema Convectivo de Mesoescala;
  • Nessa área deve haver pelo menos 3 relatos, separados por 64 km ou mais, de danos associados a ventos de 117 km/h ou mais, equivalente a um tornado de escala F1;
  • Todos os relatos e danos devem estar associados ao mesmo Sistema Convectivo de Mesoescala.
Etapas de formação das tempestades severas associadas ao derecho. Adaptado de Storm Prediction Center, NOAA.

Esse fenômeno é bem documentado e estudado na América do Norte, porém, quase não existem estudos sobre derechos no Brasil, apesar das regiões Sul e Sudeste serem frequentemente atingidas por sistemas convectivos de mesoescala com potencial para a ocorrência desses eventos.

Em um trabalho considerado pioneiro no Brasil, o meteorologista Eliton Lima de Figueiredo, com as colaborações do Prof. Ernani de Lima Nascimento, da Universidade Federal de Santa Maria, e Maurício Ilha de Oliveira, da Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos, foram documentadas e analisadas tempestades associadas a possíveis eventos de derechos no Rio Grande do Sul.

O trabalho explora as tempestades ocorridas em 29 de maio de 2013 e nos dias 18 e 19 de outubro de 2014, detectadas pelo radar localizado na cidade de Santiago. Essas tempestades foram identificadas pelo radar graças ao formato característico que apresentam nas imagens de radar, o chamado bow echo, o eco de retorno do radar em formato de arco.

Sequência temporal das imagens de radar da tempestade do dia 29 de maio de 2013. As setas pretas indicam o bow echo associado. Adaptado de Figueiredo et al. (2019).

As tempestades estiveram associadas a condições atmosféricas específicas que propiciaram a formação e organização de várias células de tempestade, formando uma linha de instabilidade (um tipo de Sistema Convectivo de Mesoescala). Entre elas um jato de baixos níveis vindo de noroeste, trazendo calor e umidade dos trópicos, uma forte instabilidade atmosférica, intenso cisalhamento vertical do vento e, em um dos casos, o suporte de um cavado em médios níveis e dos jatos de altos níveis.

Em ambos os casos os ventos chegaram a 100 km/h, causando danos equivalentes a um tornado de categoria F1, com queda de árvores, danos estruturais e destruição de telhados. Este trabalho exerceu uma grande contribuição científica e para a sociedade em geral, ao mostrar que o Brasil também é afetado por eventos severos como este, principalmente o Sul, e seus danos podem ser evitados através do constante monitoramento meteorológico.