Como a radiação de testes nucleares afetam as chuvas?

Uma nova pesquisa revelou como a radiação proveniente de testes de bombas nucleares durante a Guerra Fria pode ter mudado os padrões microfísicos das gotas de chuva a milhares de quilômetros dos locais de detonação.

Teste nuclear
A Operação CASTLE foi a segunda série de testes termonucleares planejada pela Comissão de Energia Atômica e ocorreu na primavera de 1954. Durante o CASTLE, seis variantes da superbomba foram testadas. O primeiro teste dessa série, o teste Bravo, ocorreu em 1º de março de 1954. Bravo era um dispositivo que usava Deutereto de Lítio como combustível e a explosão rendeu 15 megatons, a maior bomba já explodida pelos Estados Unidos.

Cientistas da Universidade de Reading pesquisaram como a carga elétrica liberada pela radiação das detonações de bombas nucleares durante testes, realizadas predominantemente pelos EUA e pela União Soviética nas décadas de 1950 e 1960, afetou as nuvens de chuva da época. O estudo, publicado na Physical Review Letters, usou registros históricos entre 1962-64 de uma estação de pesquisa na Escócia. Os cientistas compararam dias com alta e baixa carga radiativa, e descobriram que as nuvens eram visivelmente mais espessas e que havia 24% mais chuva em média nos dias com mais radioatividade.

O professor Giles Harrison, principal autor e professor de Física Atmosférica da Universidade de Reading, explicou que ao estudar a radioatividade liberada pelos testes de armas da Guerra Fria, os cientistas da época aprenderam sobre os padrões de circulação atmosférica. Agora, reutilizamos esses dados para examinar o efeito na precipitação.

O ambiente politicamente carregado da Guerra Fria levou a uma corrida armamentista nuclear e ansiedade mundial. Décadas depois, essa crise global rendeu uma fresta de esperança, ao nos dar uma maneira única de estudar como a carga elétrica afeta a chuva.

Desde meados da década de 60, os cientistas já sabem que a carga elétrica modifica a forma como as gotas de água nas nuvens colidem e se combinam, potencialmente afetando o tamanho das gotas e influenciando as chuvas, mas isso é difícil de observar na atmosfera. Ao combinar os dados do teste da bomba com registros meteorológicos, os cientistas foram capazes de investigar o que de fato ocorreu durante aquele período.

A corrida para desenvolver armas nucleares foi uma característica fundamental da Guerra Fria, à medida que as superpotências mundiais procuravam demonstrar suas capacidades militares durante o aumento das tensões após a Segunda Guerra Mundial.

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Embora as detonações tenham sido realizadas em partes remotas do mundo, como o deserto de Nevada, nos Estados Unidos, e nas ilhas do Pacífico e do Ártico, a poluição radioativa se espalhou amplamente pela atmosfera. A radioatividade ioniza o ar, liberando carga elétrica.

O estudo

Os pesquisadores, das Universidades de Reading, Bath e Bristol, estudaram registros de estações meteorológicas de pesquisa bem equipadas do Met Office em Kew, perto de Londres, e Lerwick, nas ilhas Shetland.

Localizado a 480 km a noroeste da Escócia, Shetland praticamente não foi afetada por outras fontes de poluição antropogênica no período. Isso o tornou adequado como local de teste para observar os efeitos na chuva que, embora provavelmente também ocorressem em outros lugares, seriam muito mais difíceis de detectar devido à complexidade de fatores envolvidos. Mudanças significativas ocorreram na distribuição diária da chuva nas Ilhas Shetland. Isso apoia as expectativas de mudanças microfísicas eletricamente induzidas em nuvens de água líquida por ionização adicional.

As descobertas podem ser úteis para pesquisas de geoengenharia relacionadas a nuvens, que exploram como a carga elétrica pode influenciar a chuva, aliviar secas ou prevenir enchentes, sem o uso de produtos químicos. O professor Harrison está liderando um projeto que investiga os efeitos elétricos na poeira e nas nuvens nos Emirados Árabes Unidos, como parte de seu programa nacional em Rain Enhancement Science. Essas novas descobertas ajudarão a mostrar as cargas típicas possíveis em nuvens naturais que não são de tempestade.