Cientistas do CONICET aplicam um método matemático que otimiza o desempenho de um time de futebol

Um estudo científico desenvolvido pelo CONICET (Instituto Nacional de Estatística e Censo) aplica um método matemático que permite otimizar o desempenho de um time de futebol por meio da análise da rede de passes entre os jogadores. Treinadores, atenção!

futebol
Melhore o jogo do seu time de futebol aplicando este método matemático aos passes de rede entre jogadores.

Certamente você já se perguntou por que, no meio de uma partida de futebol, o time que você torce de repente deixa de dominar o jogo e passa a não conseguir fazer dois passes seguidos. Treinadores e jornalistas esportivos sempre têm suas teorias, mas um grupo de cientistas argentinos decidiu ir além da intuição e das justificativas subjetivas para encontrar a resposta.

Usando ciência de dados e teoria de redes, cientistas do CONICET descobriram uma maneira de medir o jogo "bom" e "ruim", provando que nem tudo no futebol é uma questão de sorte ou acaso.

O desempenho de um time de futebol se manifesta como um sistema dinâmico complexo influenciado por fatores estocásticos e determinísticos. Este estudo recente apresenta uma metodologia baseada na teoria de redes complexas e na ciência de dados para quantificar objetivamente o desempenho tático.

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O interessante no futebol é o meio termo, onde a criatividade e o planejamento tático se encontram.

Ao construir redes de passes a partir de um grande conjunto de dados de partidas da liga europeia, identificamos e comparamos padrões estruturais associados às fases de jogo "bom" e "ruim", definidas por métricas como chutes a gol e posição em campo.

A aplicação de métricas de rede, como coeficiente de agrupamento e centralidade, permite-nos discernir diferenças significativas na topologia dessas redes. Os resultados não só validam a capacidade desta ferramenta de diagnosticar o estado tático, como também abrem caminhos para a formulação de recomendações táticas baseadas em dados, incluindo a otimização para o "problema do jogador preso". Esta abordagem representa um passo em direção à quantificação objetiva do desempenho coletivo em sistemas esportivos complexos.

A dinâmica do futebol como um sistema complexo não linear: do acaso à estratégia

Costuma-se dizer que qualquer um pode vencer no futebol e, embora isso seja verdade até certo ponto, a realidade é que o jogo não é completamente caótico; há uma estratégia, um sistema tático, que lhe dá ordem. Os jogadores não correm pelo campo aleatoriamente; eles têm posições, papéis e zonas de ação que definem como se movimentam.

Dentro dessa estrutura tática, as ações individuais dos jogadores não são completamente autônomas; elas são limitadas por posições atribuídas, zonas de ação pré-estabelecidas e funções específicas.

Se fosse pura sorte, todos correriam atrás da bola, criando um jogo ineficiente, mas se fosse completamente previsível, seria como pebolim. O interessante do futebol é o meio termo, onde a criatividade e o planejamento tático se encontram.

O futebol, como esporte coletivo, pode ser conceituado como um sistema dinâmico complexo e não linear que opera em um continuum entre o acaso estocástico e o determinismo absoluto. Embora a natureza intrínseca do jogo permita a ocorrência de eventos de baixa probabilidade, como a vitória de times de classificação inferior ("times pequenos") sobre elites estabelecidas ("times grandes"), a probabilidade condicional de tais resultados tende a ser marginal.

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O desempenho de um time de futebol não é uma função do acaso, mas da implementação de um sistema tático predefinido.

Isso significa que o desempenho de uma equipe não é meramente uma função do acaso, mas é intrinsecamente mediado por regularidades estruturais e pela implementação de um sistema tático predefinido.

Um sistema com total ausência de determinismo tático resultaria em comportamento anárquico e ineficiência sistêmica generalizada (por exemplo, concentração excessiva de jogadores ao redor da bola, diminuindo a ocupação efetiva do espaço de jogo). Por outro lado, o determinismo absoluto anularia a flexibilidade inerente e o surgimento de soluções táticas não lineares (por exemplo, uma jogada individual notável ou um "drible" criativo).

Estudo científico graças ao big data

A pesquisa liderada pelo Dr. Andrés Chacoma, pesquisador do CONICET no Departamento de Física da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidade de Buenos Aires (UBA), publicada na Physical Review E, um periódico científico de alto impacto da American Physical Society, ilustra a aplicação rigorosa de ferramentas analíticas a um enorme conjunto de dados.

Graças ao fato de os jogadores usarem sensores que coletam dados como o número de quilômetros percorridos ou a potência de um chute, os cientistas tiveram acesso a uma enorme quantidade de informações.

Tecnologias avançadas, como sistemas de posicionamento global (GPS) e unidades de medição inercial (IMUs), aplicadas no futebol moderno, permitem obter grandes quantidades de dados, que podem ser usados para analisar padrões e correlações.

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A dinâmica do futebol como um sistema complexo não linear: do acaso à estratégia

O estudo de Chacoma baseou-se em um banco de dados abrangente, abrangendo todos os eventos registrados durante a temporada 2017-2018 das cinco ligas europeias de futebol mais importantes. O objetivo central da pesquisa era identificar padrões estatísticos nesses dados que pudessem ser diretamente correlacionados com melhorias no desempenho coletivo das equipes, buscando estabelecer uma métrica objetiva para o desempenho "bom" e "ruim".

Teoria da rede: jogar “bem” ou “mal”

Com todos esses dados disponíveis, os pesquisadores decidiram usar uma ferramenta chamada "teoria das redes". Essa técnica é a mesma usada para estudar como as pessoas se conectam nas redes sociais.

No futebol, a conexão mais simples e eficaz para medir é o passe. Os passes são como a força vital do time: se fluírem bem, o time funciona. Usando um banco de dados de milhões de passes de ligas europeias de 2017-2018, cientistas se propuseram a identificar como é a rede de passes quando um time está em seu melhor momento e quando não está.

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Créditos: Dr. Andrés Chacoma. "Identificação e otimização de redes de passes de alto desempenho no futebol."

Eles definiram dois estados muito especificamente: “jogar bem” ou “jogar mal”, e para isso estabeleceram parâmetros claros:

  • Um time estava "jogando bem" quando estava chutando a gol e também estava à frente em campo (ou seja, dominando territorialmente no ataque) nos 50 passes anteriores.
  • Um time estava "jogando mal" quando estava atrás no campo e recebeu chutes contra o próprio gol nos 50 passes anteriores.

Em seguida, compararam a estrutura dessas redes em ambas as situações. Para isso, utilizaram métricas de rede como agrupamento (que mede se há "triângulos" de passe — ou seja, se os jogadores passam a bola uns para os outros em triângulos, indicando uma boa triangulação) e centralidade (que avalia a importância de um jogador na rede, medindo sua probabilidade de ter a bola).

A equipe de Chacoma se concentrou nas "redes de passes" dos jogadores. Eles queriam identificar as configurações dessas redes quando os times estavam jogando bem e quando estavam jogando mal.

Os resultados foram claros: eles encontraram diferenças significativas na estrutura das redes quando o time estava jogando bem e quando estava jogando mal. Isso significa que sua ferramenta pode, de fato, identificar o estado do jogo.

Um exemplo claro

Para entender melhor isso, eles analisaram o Barcelona de Messi e Iniesta. Descobriram que, quando o time jogava mal, Iniesta tinha um "agrupamento" (uma medida de sua participação em passes triangulares) muito baixo. Em outras palavras, ele não estava passando a bola para seus companheiros de forma que fizesse o time brilhar.

Esta ferramenta permite que o treinador saiba exatamente o que corrigir: como tornar um jogador mais conectado.

"Poderíamos dizer ao treinador que, se ele jogasse mais com Iniesta, seu agrupamento aumentaria, o que levaria a melhores redes de passe e, portanto, a um melhor jogo", explicou o principal autor do estudo à NexCiencia. "Essa ferramenta nos permite uma imersão total nas táticas da equipe."

Soluções táticas para o "jogador-chave bloqueado"

Este estudo científico também abordou um problema comum no futebol: o "jogador bloqueado". Isso ocorre quando o time adversário consegue neutralizar um jogador-chave, impedindo-o de receber a bola. Por exemplo, quando Messi estava bem marcado, outros jogadores do Barcelona viram suas métricas de passe caírem. A questão então não é apenas "Messi está bloqueado", mas "como reorganizamos a rede de passes para que os companheiros compensem sua ausência e o time mantenha seu alto desempenho?", explica Chacoma ao NexCiencia.

Dr. Andrés Chacoma, CONICET, Departamento de Física, Faculdade de Ciências Exatas e Naturais, Universidade de Buenos Aires
Dr. Andrés Chacoma, pesquisador do CONICET no Departamento de Física da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidade de Buenos Aires (UBA) e primeiro autor do artigo científico. Foto: Nexciencia.

"É um problema de otimização", enfatiza Chacoma. "Se um jogador-chave for bloqueado, nossa proposta é reconfigurar o sistema de passes da equipe para compensar essa perda. Muitas vezes, as estatísticas apontam apenas para o problema individual, mas não oferecem uma solução coletiva. Buscamos reconfigurar todo o sistema de jogo para manter o alto desempenho, mesmo com um jogador bloqueado."

A singularidade deste trabalho reside na sua capacidade de ir além da análise descritiva. Utilizando a teoria de redes, os cientistas podem propor soluções táticas concretas e baseadas em dados. Embora o futebol sempre tenha um componente imprevisível, esta pesquisa oferece uma ferramenta poderosa para que as equipes tomem decisões mais inteligentes e objetivas em sua busca pela vitória.

Referência da Notícia

Andrés Chacoma, et al. "Identification and optimization of high-performance passing networks in football". Physical Review E. 18 de abril, 2025.

Gabriel Stekolschik. "Herramienta para mejorar la táctica". Nexciencia Exactas. 26 de junio, 2025.