Aquecimento global: o que significa ultrapassar os limites de 1,5°C e 2°C e por que continuamos falando disso?

O planeta tem ultrapassado repetidamente o limite de 1,5°C acima da era pré-industrial, estabelecendo uma sequência recorde de aquecimento, mas você sabe de onde vem este valor e por que os cientistas continuam falando sobre isso?

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Anomalias da temperatura média global do ar na superfície em relação ao período de referência pré-industrial de 1850–1900 para todos os meses de 12 meses, de 1979 a 2025, no banco de dados ERA5, evidenciando a escalada das temperaturas globais nas décadas recentes. Créditos: C3S/ECMWF.

A cada novo boletim divulgado pelo Observatório Copernicus, o Serviço de Mudanças Climáticas europeu, temos um novo recorde assustador de temperatura global. Como abordamos por aqui diversas vezes, a análise do banco de dados ERA5, um dos mais consolidados do mundo em termos de clima, vem revelando números impressionantes em termos de anomalias positivas de temperatura - tanto do ar quanto dos oceanos.

Para refrescar a memória: nos últimos 18 meses consecutivos (desde Junho de 2023) a temperatura média da Terra esteve igual ou acima de 1,5°C acima da média em relação ao período conhecido como pré-industrial (1850-1900). Além disso, o ano de 2024 foi o primeiro a ter os 12 meses com anomalias acima de 1,5°C e, como se não fosse suficiente, também foi considerado o ano mais quente da história dos registros meteorológicos, datados de 1940, em diversas bases de dados consolidadas.

Mais recentemente (e mais impressionante), mesmo em meio à perspectiva de 2025 ser um ano mais ‘fresco’, por estarmos observando o desenvolvimento de um evento La Niña - que se refere ao resfriamento do oceano Pacífico tropical - o mês de Janeiro de 2025 entrou para a história dos registros do ERA5 como o Janeiro mais quente da história, com 1,75°C acima da média pré-industrial.

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Anomalias de temperatura de Janeiro, entre 1979 a 2025, mostrando como Janeiro de 2025 foi o mais quente dos registros.

Mas o que isso significa na prática? E como esses números são calculados? Especialistas alertam que essas quebras de recorde são um sinal claro do avanço das mudanças climáticas e de um possível rompimento definitivo das metas do Acordo de Paris na próxima década.

O que significa ultrapassar 1,5°C e 2°C?

Os limites de 1,5°C e 2°C acima da média da era pré-industrial são marcos definidos pelo Acordo de Paris (2015) para minimizar os impactos das mudanças climáticas. Ultrapassar temporariamente essas marcas não significa necessariamente que a meta do acordo foi rompida, mas indica que estamos perigosamente próximos desse ponto.

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O painel superior da figura ilustra como o aumento da temperatura global a) eleva drasticamente a frequência de eventos extremos, b) tornando dias extremamente quentes e c) noites frias severas muito mais prováveis em um cenário de aquecimento de 1,5°C e 2°C. Já o painel inferior mostra como o aumento da temperatura global a) amplifica a frequência de chuvas extremas, b) tornando eventos de precipitação intensa muito mais prováveis com o aquecimento do planeta. Fonte: Adaptado de IPCC.

Antes de Julho de 2023, a temperatura global média permaneceu acima de 1,5°C por apenas três meses, em 2016. Em dezembro de 2023, a média global atingiu 1,78°C acima do período pré-industrial, um valor alarmante. Essa escalada coloca em evidência a tendência de aquecimento acelerado e reforça a necessidade urgente de ação climática.

Como esses valores são calculados?

A temperatura média global não é medida diretamente em todos os pontos do planeta, mas estimada por meio de modelos e reanálises de dados. O conjunto de dados ERA5, do Copernicus, combina medições de satélites e estações meteorológicas, preenchendo lacunas onde não há dados diretos. Para comparar com o período pré-industrial, os cientistas utilizam estimativas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que selecionou 1850-1900 como referência por ser o período mais antigo com medições confiáveis.

O cálculo da anomalia térmica segue um método estabelecido pela Organização Meteorológica Mundial (OMM). Primeiro, a temperatura de um mês específico é comparada com a média do período de referência atual, neste caso, 1991-2020. Depois, um ajuste é feito para estimar a diferença em relação ao período pré-industrial. Esse método permite monitorar as tendências de aquecimento de forma precisa e confiável.

Por que esses limites são importantes?

A ultrapassagem dos 1,5°C é considerada um ponto crítico porque marca o limiar a partir do qual os impactos das mudanças climáticas se tornam significativamente mais severos.

O relatório especial do IPCC sobre o aquecimento global de 1,5°C destaca que, se essa barreira for ultrapassada de forma prolongada, haverá consequências drásticas:

  • Eventos extremos mais frequentes e intensos: ondas de calor, secas e tempestades tropicais mais destrutivas - o que, na verdade, já estamos observando de forma consistente nas décadas recentes;
  • Impacto na biodiversidade: risco de extinção para muitas espécies, especialmente corais, insetos e plantas;
  • Elevação do nível do mar: ameaça para populações costeiras e ilhas de baixa altitude;
  • Impactos socioeconômicos: crises hídricas, perdas na agricultura e aumento da insegurança alimentar.

Se o aquecimento global atingir 2°C, esses efeitos serão ainda mais graves. O IPCC estima que, nesse cenário, 18% dos insetos, 16% das plantas e 8% dos vertebrados perderão mais da metade de seu habitat climático, enquanto a maioria dos recifes de coral será eliminada.

Estamos caminhando para ultrapassar 1,5°C definitivamente?

Embora as recentes quebras de recorde não signifiquem que ultrapassamos a meta do Acordo de Paris, elas indicam que estamos próximos desse ponto. Segundo projeções da OMM, há uma probabilidade crescente de que o planeta supere temporariamente 1,5°C nos próximos cinco anos. Se o aquecimento continuar no ritmo atual, espera-se que essa barreira seja ultrapassada de forma permanente no início da década de 2030.

O Acordo de Paris define a meta de 1,5°C como um aumento sustentado ao longo de décadas, não em eventos isolados. No entanto, o fato de estarmos registrando tantos meses consecutivos acima desse limite sugere que a transição para um novo patamar climático pode estar mais próxima do que o previsto.

O que pode ser feito?

Para evitar que o aquecimento global supere 1,5°C de forma definitiva, é essencial intensificar os esforços de mitigação, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa. Medidas incluem:

  • Zerar o uso de combustíveis fósseis: substituição por fontes renováveis de energia;
  • Reflorestamento e conservação ambiental: aumentar a captura de carbono na atmosfera;
  • Eficiência energética: promover tecnologias mais sustentáveis.
  • Acordos climáticos mais rigorosos: garantir que países cumpram metas de emissões - e não deixem o Acordo de Paris.

A cada ano que passa sem ações efetivas, a janela de oportunidade para limitar o aquecimento se fecha um pouco mais. Monitorar esses limites e comunicar suas implicações é fundamental para incentivar políticas climáticas mais ambiciosas.

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Projeto de substituição de 60 mil vagas de estacionamento por áreas verdes até 2030 em Paris, na França, como medida de mitigação e adaptação. Créditos: Reprodução.

A frequência crescente de quebras de recorde de temperatura reforça a urgência da crise climática. Se não houver uma mudança drástica na trajetória das emissões globais, o planeta poderá atingir um nível de aquecimento irreversível, com consequências devastadoras para ecossistemas e sociedades. O desafio é grande, mas ainda há tempo para agir.

Referência da notícia

Why do we keep talking about 1.5°C and 2°C above the pre-industrial era?, publicado em 17 de Julho de 2024 pelo Copernicus.

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