A queda do STOTEN: o escândalo que expôs os bastidores milionários da ciência
A queda do periódico Science of the Total Environment expôs revisões falsas, identidades roubadas e lucros bilionários das editoras científicas, abrindo um debate mundial sobre ética, integridade e o futuro da publicação acadêmica.

Um dos periódicos científicos mais prolíficos do mundo, o Science of the Total Environment (STOTEN), foi recentemente removido dos índices da Web of Science, um golpe que abalou o meio acadêmico internacional. O caso, revelado por reportagens do El País e da Science, expõe um cenário que vai muito além de uma simples falha editorial:
O STOTEN, editado pela Elsevier, vinha publicando mais de 10 mil artigos por ano, tornando-se um símbolo do crescimento desenfreado das chamadas megarrevistas. Mas o que parecia sucesso editorial acabou revelando falhas graves, revisões falsas, identidades de cientistas usadas indevidamente e uma pressão crescente por lucro que colocou a qualidade em segundo plano.
O escândalo: revisões falsas e identidades roubadas
O caso veio à tona quando pesquisadores descobriram que seus nomes haviam sido usados em pareceres que nunca escreveram. A investigação da revista Science revelou um esquema de peer reviews falsos: e-mails criados por autores ou intermediários, que usavam identidades reais de cientistas para aprovar artigos com rapidez.

O cientista Michael Bertram, por exemplo, viu seu nome envolvido em pareceres fraudulentos e descreveu a experiência como “muito desconfortável”, um golpe direto na confiança entre pares.
O enfraquecimento dos filtros editoriais diante da avalanche de submissões. A Elsevier abriu uma investigação interna, mas o estrago já estava feito. A Clarivate, responsável pelo Journal Citation Reports, suspendeu e depois removeu o periódico de seus índices de impacto.
A engrenagem bilionária da publicação científica
O El País ampliou o foco: o caso STOTEN não é apenas sobre fraude, mas sobre dinheiro. A Elsevier, gigante do setor, registrou lucros de mais de 1,5 bilhão de dólares em 2024, margens comparáveis às de grandes empresas de tecnologia. Esse modelo se sustenta em um ciclo onde universidades e governos pagam para publicar e depois pagam novamente para ter acesso aos mesmos conteúdos.

Nos bastidores, o ritmo frenético de publicação cria incentivos perigosos. Revistas que publicam milhares de artigos por ano se tornam máquinas de receita, mas a curadoria científica perde espaço. Os sinais de alerta incluem:
- Crescimento explosivo de edições especiais e submissões simultâneas.
- Revisores sobrecarregados e checagens superficiais.
- Aumento de retratações e investigações por fraude.
Essas falhas revelam um sistema pressionado por métricas, citações, fator de impacto, lucros, que muitas vezes sufoca o verdadeiro propósito da ciência: gerar conhecimento confiável.
O impacto para a ciência
Para quem publicou no STOTEN, o artigo continua válido e indexado em bases como Scopus e Google Scholar, mas perde o prestígio associado ao fator de impacto da Web of Science. O episódio, no entanto, vai além das métricas: ele expõe a vulnerabilidade de um sistema baseado na confiança e na revisão entre pares.
A Elsevier promete reformular o processo editorial e revisar centenas de artigos suspeitos. Mas o caso deixa uma lição incômoda: quando a publicação científica se transforma em indústria, a ética corre o risco de ser tratada como custo. Em tempos de desinformação e crises globais, restaurar a credibilidade das revistas é urgente, não apenas para proteger reputações, mas para garantir que a ciência siga sendo um bem público, e não apenas um negócio.
Referências da notícia
The fall of a prolific science journal exposes the billion-dollar profits of scientific publishing. 28 de novembro, 2025. El País.
‘It felt very icky’: This scientist’s name was used to write fake peer reviews. 3 de dezembro, 2024. Science