O mistério dos meteoritos ricos em carbono que nunca chegam: o Sol e a atmosfera, os grandes filtros do espaço

Um estudo revelou que meteoritos ricos em carbono, que transportam água e moléculas orgânicas, são destruídos antes de chegar à Terra. Tanto o Sol quanto a atmosfera terrestre filtram esses valiosos fragmentos, limitando nossa compreensão da origem da vida.

O asteroide carbonáceo Bennu próximo à Terra
O asteroide carbonáceo Bennu próximo da Terra. Crédito: NASA.

Durante décadas, cientistas se perguntaram por que meteoritos ricos em carbono, considerados essenciais para entender a origem da vida na Terra, são tão raros em nossas coleções. Agora, uma equipe internacional de pesquisadores pode ter resolvido esse mistério: muitos desses fragmentos nunca chegam ao nosso planeta, destruídos primeiro por dois filtros implacáveis: o Sol e a atmosfera da Terra.

A descoberta, publicada na revista Nature Astronomy, é o resultado de uma extensa análise de quase 8.500 meteoroides e seus impactos, usando dados de 19 redes de observação espalhadas por 39 países. Este é o estudo mais abrangente já realizado sobre o assunto, e sua conclusão pode mudar a maneira como interpretamos tanto a formação do nosso sistema solar quanto o papel que esses corpos cósmicos desempenharam no surgimento da vida na Terra.

Meteoritos ricos em carbono sofrem desgaste progressivo

A maioria dos meteoritos começa sua jornada quando dois asteroides colidem, gerando fragmentos que viajam pelo sistema solar. Os menores (chamados meteoroides) geralmente têm menos de um metro de tamanho e não são detectados por telescópios, a menos que estejam prestes a atingir a Terra.

Segundo estimativas, cerca de 5.000 toneladas de micrometeoritos caem em nosso planeta a cada ano, junto com entre 4.000 e 10.000 meteoritos maiores. No entanto, meteoritos carbonáceos, que contêm água, moléculas orgânicas e até aminoácidos (os blocos de construção da vida), representam menos de 5% das descobertas.

O Dr. Hadrien Devillepoix, coautor do estudo e pesquisador da Curtin University, na Austrália, explicou que “a atmosfera da Terra e o Sol atuam como filtros gigantes, destruindo meteoroides frágeis e ricos em carbono antes que eles atinjam o solo”. Esses materiais, conhecidos como condritos carbonáceos, não são apenas fracos, mas também sofrem desgaste progressivo à medida que viajam pelo espaço. As flutuações extremas de temperatura que eles experimentam à medida que se aproximam do Sol produzem rachaduras que os enfraquecem até que eles se fragmentem.

A pesquisa também aponta que meteoroides gerados por "perturbações de onda" (quando asteroides são despedaçados após encontros próximos com planetas) são particularmente frágeis e, portanto, têm pouca chance de sobreviver à jornada atmosférica.

Observatório Global Fireball, na Austrália.
Observatório Global Fireball, na Austrália.

O Dr. Patrick Shober, do Observatório de Paris, ressaltou a importância dessas descobertas: “Meteoritos ricos em carbono estão entre os materiais mais primitivos que podemos estudar; eles contêm as pistas químicas sobre como a água e os compostos orgânicos chegaram à Terra. No entanto, por termos tão poucos deles, corremos o risco de obter uma imagem incompleta da origem da vida e da evolução do nosso sistema solar”.

A importância das redes de observação atuais

O avanço tecnológico foi crucial para chegar a essas conclusões. Redes globais como a FRIPON, liderada pela França, e o Global Fireball Observatory, de origem australiana, permitiram que pesquisadores monitorassem o céu em tempo real e detectassem meteoroides conforme eles entravam na atmosfera, usando câmeras altamente sensíveis e software de análise automatizado.

Além da descoberta, os cientistas já estão olhando para o futuro. Melhorar as capacidades de detecção de telescópios e entender os detalhes de como os meteoroides se desintegram na atmosfera será fundamental para responder a novas perguntas sobre sua composição e papel na história planetária.

Este trabalho não apenas explica a escassez de meteoritos ricos em carbono na Terra, mas também abre novas portas para repensar como os ingredientes essenciais para a vida chegaram aqui.

Referência da notícia

Perihelion history and atmospheric survival as primary drivers of the Earth’s meteorite record. 14 de abril, 2025. Shober, et al.