Seca na Amazônia: Rio Negro atinge seu menor nível e faz reaparecer pinturas rupestres milenares

Dessa vez, a forte seca que vem afetando a região Amazônica fez reaparecer as gravuras rupestres milenares das paredes rochosas de um sítio arqueológico de Manaus, devido ao baixo nível do Rio Negro.

Imagem à esquerda: Rio Negro cheio (Crédito: Rede Amazônica) e imagem à direita: Rio Negro durante a seca desse ano (Crédito: Michel Castro/Rede Amazônica).

São vários os impactos que a forte estiagem vem causando na Região Norte do Brasil, conforme já noticiamos por aqui. Na segunda-feira (16), Manaus, a capital amazonense, registrou a sua pior seca em 121 anos, com o Rio Negro marcando 13,59 metros. Segundo dados do Porto de Manaus, esse é o menor registro desde 1902, quando as medições começaram a ser realizadas.

A última vez em que o nível do Rio Negro, em Manaus, chegou a um patamar tão baixo foi em 24 de outubro de 2010, quando a vazante registrada foi de 13,63 metros.

A seca no Amazonas tem tudo para ser a maior já registrada no estado. A grande maioria dos municípios já foi afetada, mais de 112 mil pescadores sofrem prejuízos e cerca de 500 mil pessoas devem ficar sem acesso à água potável e alimentos. A hidrelétrica Santo Antônio interrompeu suas operações após registrar uma vazão 50% abaixo da média histórica do rio Madeira.

Gravuras milenares à mostra

Devido ao seu baixo nível, o Rio Negro, em Manaus, deixou à mostra várias gravuras rupestres milenares, que estão reaparecendo à medida que a água diminui. Especialistas estimam que os petróglifos, como também são chamadas essas gravuras, têm entre 1.000 e 2.000 anos.

As gravuras são formatos de rostos humanos que estão nas paredes rochosas do sítio arqueológico das Lajes, à margem do rio Negro. A última vez em que elas ficaram visíveis foi na seca de 2010. Outro bloco rochoso destas gravuras ainda está debaixo d´água, mas deve aparecer nos próximos dias, se o rio Negro continuar baixando.

Gravuras rupestres em rochas na beira do pedral, no mesmo nível do Rio Negro, apareceram na última semana. Crédito: Valter Calheiros.

Além dessas gravuras, também são vistos na parte superior do pedral imagens de animais e representações das águas, bem como cortes nas rochas possivelmente como resultado de oficinas líticas – significando que as ferramentas para as gravuras eram confeccionadas ali mesmo.

As gravuras estão localizadas em paredes extensas e debaixo da água, o que torna seus estudos complexos. Segundo especialistas, não se pode afirmar como as gravuras foram feitas, e se foi em uma época de grande seca ou se o rio, há mais de mil anos, tinha um nível mais baixo do que o atual.

Uma das inscrições nas pedras que reapareceram com a seca no sítio arqueológico das Lajes. Crédito: Alberto César Araújo/Amazônia Real.

O sítio arqueológico das Lajes abrange uma área que inclui encostas de terra preta, fragmentos cerâmicos e urnas funerárias, além das gravuras. Porém, grande parte disso desapareceu devido a ações humanas e obras sem fiscalização.

“Essas coisas (as gravuras) só aparecem de vez em quando. Tem duas hipóteses. Ou elas foram feitas numa época de grande seca ou houve alguns episódios de seca no passado. Só que as secas atuais acontecem num contexto de mudança climática, acompanhada de impactos das ações humanas”, diz o arqueólogo Eduardo Goes Neves.

Imagem à esquerda: Rio Negro cheio na comunidade Tumbira (Crédito: Lucas Bonny / Tadeu Rocha) e imagem à direita: Rio Negro na mesma comunidade porém durante a seca deste ano (Crédito: Divulgação/FAS).

Ainda segundo Neves, o sítio arqueológico das Lajes é um patrimônio “super importante”, mas pouco estudado. Para piorar a situação, o local é impactado e ameaçado por empreendimentos, como é o caso do projeto Porto da Lajes, além de pichações, já que pessoas têm acesso livre à pesca e balneário, e acabam riscando as rochas com seus nomes e deixando restos de alimentos pelo chão.

“Encontramos novamente estas gravuras, mas desta vez com muita poluição atmosférica, com essa fumaça que tanto incomoda Manaus. Ao redor do sítio, vemos essa grande quantidade de lixo. Esse sítio precisa ser melhor cuidado, ter amparo do Iphan, das instituições. Poderíamos ter um grande campo de pesquisa para entendermos melhor a história de Manaus”, comenta o ativista ambiental e educador Valter Calheiros.