Medicamento experimental devolve mobilidade a tetraplégicos; entenda como cientistas da UFRJ chegaram a polilaminina

A partir da laminina, uma proteína naturalmente produzida pelo corpo humano, o laboratório da UFRJ desenvolveu uma terapia promissora capaz de regenerar a medula espinhal e recuperar funções motoras perdidas após traumas.

Nova terapia brasileira usa a proteína laminina para recuperar lesões na medula espinhal com eficácia comprovada em estudos clínicos.
Nova terapia brasileira usa a proteína laminina para recuperar lesões na medula espinhal com eficácia comprovada em estudos clínicos. Foto: Adobe Stock

Uma linha de pesquisa iniciada há mais de duas décadas no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pode revolucionar o tratamento de lesões na medula espinhal. Utilizando uma proteína derivada da placenta humana, cientistas brasileiros desenvolveram um método inovador que demonstrou resultados altamente positivos na regeneração de áreas danificadas da medula.

A tecnologia, batizada de polilaminina, foi idealizada pela bióloga Tatiana Sampaio e tem como base a repolimerização da laminina, uma proteína naturalmente produzida pelo corpo e essencial para o desenvolvimento e manutenção do sistema nervoso central. Ao contrário de abordagens como o uso de células-tronco, essa técnica se destaca por ser mais acessível, estável e de fácil aplicação clínica.

Entenda como funciona a polilaminina

A laminina, em seu estado natural, atua na organização dos tecidos nervosos e na indução do crescimento axonal — os prolongamentos dos neurônios responsáveis por conduzir os impulsos elétricos. No entanto, para que ela atue de forma terapêutica, precisa estar em estado polimerizado, o que a torna funcionalmente ativa.

Pesquisadores desenvolvem técnica simples de repolimerização da laminina
Pesquisadores desenvolvem técnica simples de repolimerização da laminina (Foto: Reprodução/ Luciana Sposito/ FAPERJ)

O composto resultante, a polilaminina, se mostrou capaz de reverter lesões recentes na medula espinhal e, em alguns casos, recuperar integralmente a mobilidade dos pacientes tratados. Nos estudos clínicos conduzidos em hospitais do Rio de Janeiro, indivíduos que haviam sofrido traumas entre 24 horas e três dias antes da aplicação demonstraram recuperação parcial ou total dos movimentos comprometidos.

Estamos apenas imitando a natureza, pois a proteína já é produzida pelo organismo no desenvolvimento do sistema nervoso”, explicou Tatiana, que também é coordenadora do laboratório responsável pela pesquisa.

Avanço científico com apoio público e privado

A pesquisa ganhou tração com o apoio da FAPERJ e a colaboração da farmacêutica Cristália, que investiu R$ 3 milhões no projeto e firmou contrato para apoiar a produção e os testes clínicos da substância. Com isso, a expectativa é que o medicamento possa estar disponível para a população em até dois anos, dependendo da autorização da Anvisa.

O foco atual dos pesquisadores é ampliar os testes para casos de lesões crônicas, que apresentam maiores desafios devido à formação de cicatrizes neurais. A estratégia para vencer essa barreira envolve a combinação com outras drogas capazes de modificar o ambiente da cicatriz e permitir a regeneração.

Outro diferencial do projeto está em sua trajetória translacional. A equipe percorreu todo o processo, desde os estudos básicos com proteínas até os ensaios clínicos em humanos, passando por testes com células cultivadas e modelos animais. Essa abordagem contribuiu para validar a viabilidade científica e aumentar o interesse de parceiros industriais.

Uma alternativa promissora às células-tronco

A terapia com polilaminina surge como uma alternativa mais segura e prática em comparação às terapias com células-tronco, que ainda enfrentam incertezas quanto ao comportamento pós-injeção. Segundo a pesquisadora, além da simplicidade na produção, ela oferece maior controle clínico e menor custo, o que pode favorecer sua adoção em larga escala pelo sistema de saúde.

As expectativas são otimistas, mas os cientistas mantêm os pés no chão. O medicamento ainda passará por testes clínicos regulatórios, exigência padrão antes da aprovação definitiva para uso terapêutico. Até lá, a equipe segue empenhada em refinar a técnica, ampliar o número de pacientes tratados e consolidar a segurança da substância.

Referências da notícia

Terapia desenvolvida na UFRJ poderá regenerar lesões medulares. 9 de setembro, 2025. FAPERJ

Medicamento brasileiro inédito, tido como capaz de reverter lesão medular, é apresentado em SP. 9 de setembro, 2025. Jairo Marques. Folha de S.Paulo