Invenção brasileira que completa 100 anos e pode ajudar no combate ao calor extremo
Criado no Recife em 1929, o cobogó alia estética, funcionalidade e sustentabilidade. Arquitetos resgatam a peça como alternativa ao ar-condicionado diante das mudanças climáticas e do calor intenso.

No alto do sítio histórico de Olinda (PE), uma estrutura de concreto do início do século 20 chama atenção não só pelo tamanho — equivalente a um prédio de seis andares —, mas por um detalhe que se esconde em dois de seus lados: uma parede vazada. Esse elemento, que faz parte da fachada da antiga caixa-d’água da cidade, é feito de cobogós — peças de cimento que permitem a passagem de luz e ar, ao mesmo tempo em que bloqueiam parcialmente a radiação solar.
Projetado pelo arquiteto Luiz Nunes nos anos 1930, o edifício foi um dos primeiros marcos arquitetônicos do Brasil a utilizar o cobogó em larga escala. A peça, criada poucos anos antes no Recife, representava uma inovação: em vez de quatro paredes "cegas", o prédio ganhou aberturas que transformaram sua relação com o ambiente externo — e com o clima.
O efeito era simples, mas revolucionário: o cobogó permitia ventilação cruzada, mantinha o interior sombreado e contribuía para manter a água armazenada em temperaturas mais amenas, o que hoje chamamos de climatização passiva.
De bloco prático a símbolo nacional
A origem do cobogó é industrial. Em 1929, três engenheiros — Amadeu Coimbra, Ernest Boeckmann e Antônio de Góis — registraram a patente de uma peça pré-fabricada de concreto para ser usada como tijolo. O nome "cobogó" é, aliás, a junção das iniciais de seus sobrenomes. Inicialmente, a proposta era criar um bloco barato e fácil de produzir, sem qualquer preocupação estética ou térmica.

Foi o uso criativo dado por arquitetos nordestinos, especialmente no Recife, que transformou o cobogó em um ícone. Na prática, ele deixou de ser apenas um elemento estrutural e passou a compor fachadas, muros, varandas e divisórias internas, ganhando versões em cerâmica e formatos variados — nem todos, tecnicamente, "cobogós", segundo especialistas.
Nas casas do interior do Nordeste, o elemento se popularizou por unir baixo custo, proteção solar e ventilação, tornando-se parte da identidade visual regional.
Uma solução antiga para um futuro mais sustentável
Apesar do esquecimento temporário, o cobogó começa a ser revalorizado em tempos de crise climática. Projetos atuais voltam a incorporar o elemento em áreas de grande insolação, corredores, fachadas poentes e até interiores, como divisórias entre salas e cozinhas.
Há também estudos acadêmicos sobre seu potencial. Pesquisas na UFRJ indicam que o uso de cobogós pode melhorar significativamente a ventilação em habitações populares e favelas. Modelos de "seção variável", que aceleram a circulação do ar, foram especialmente promissores.
O desafio urbano e o futuro do cobogó
No entanto, adaptar o cobogó às cidades atuais não é simples. O medo da violência e a verticalização das construções afastaram a arquitetura brasileira de soluções abertas. Em muitos bairros, fachadas envidraçadas substituíram varandas e elementos vazados, mesmo em áreas pobres, onde se vê, por exemplo, o uso de vidro azul sem considerar o conforto térmico.
“Virou uma banheira de vidro”, critica Naslavsky. Para ela, o cobogó poderia fazer parte de políticas públicas habitacionais, como o programa Minha Casa Minha Vida, oferecendo conforto com menos custo energético.
Na Bienal de Arquitetura de São Paulo, uma releitura do cobogó feita com resíduos da construção civil prova que a inovação também pode ser sustentável. Para os curadores, esse tipo de proposta pode — e deve — orientar os caminhos da arquitetura diante das mudanças climáticas.
Como resume o arquiteto Cristiano Borba: “Poderia virar uma moda, uma tendência e uma diretriz. Poderia. E faria todo o sentido.”
Referências da notícia
BBC Brasil. Cobogó: a 'invenção' brasileira de 100 anos que pode ser aliada hoje contra o calor intenso. 2025