Casca de jabuticaba: do descarte à farmácia natural; o roxo que promete mudar a saúde metabólica

Estudos da Unicamp mostram que a casca da jabuticaba, antes descartada, pode se tornar aliada poderosa no combate à obesidade e ao diabetes, oferecendo fibras e compostos bioativos com efeitos antioxidantes e anti-inflamatórios.

Jabuticaba, Brasil
A jabuticabeira, nativa do Brasil, se destaca não apenas por sua beleza ornamental, mas também pelo potencial funcional de seus frutos na saúde metabólica.

A jabuticaba é símbolo afetivo de quintal brasileiro, mas nos últimos quinze anos saiu das mãos das crianças direto para bancadas de instituições como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Pesquisadores dessas entidades descobriram que a fina casca escura, antes vista como resíduo, concentra antocianinas, fibras e elagitâninos capazes de modular glicemia, colesterol e inflamação.

De fruta sazonal e perecível, o “pé de jabuticaba” virou alvo de estudos que unem nutrição, farmacologia e tecnologia de alimentos.

O interesse não é puramente acadêmico. Diabetes e obesidade já afetam mais de 100 milhões de brasileiros entre casos confirmados e pré‑diabetes. Ingredientes funcionais acessíveis podem aliviar esse peso econômico e social. Nesse cenário, aproveitar subprodutos agrícolas ganha força: reduz desperdício e cria valor para pequenos produtores.

Por que a casca vale ouro

Pesquisas da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp mostraram que a casca concentra até oito vezes mais antocianinas do que a polpa. Essas moléculas dão o tom roxo intenso e atuam como antioxidantes, neutralizando radicais livres ligados ao envelhecimento celular.

Além disso, a casca traz fibras solúveis que formam um gel no intestino, retardando a absorção de açúcares e promovendo saciedade. Esse “combo” de polifenóis e fibras ajuda a explicar a redução de glicose observada em modelos animais e, mais recentemente, em voluntários com síndrome metabólica.

Jabuticaba, glicemia, colesterol
Antocianinas e fibras solúveis da casca da jabuticaba atuam juntas: combatem os radicais livres e ajudam a controlar a glicose e a saciedade.

Outro diferencial são os elagitâninos, polifenóis que quase não aparecem em frutas tropicais. No cólon, eles se transformam em urolitinas, compostos que a literatura científica relaciona à proteção contra doenças inflamatórias e até certos tipos de câncer. Ou seja, a jabuticaba entrega benefícios locais (intestino) e sistêmicos (fígado, coração, cérebro) usando um mecanismo de dupla ação: alimentar boas bactérias e oferecer moléculas bioativas.

O que a ciência já comprovou

Primeiro vieram os testes em ratos alimentados com dietas gordurosas: farinha de casca reduziu ganho de peso, melhorou sensibilidade à insulina e aumentou colesterol HDL. Depois, estudos de intervenção aguda em humanos reforçaram o potencial — suco de jabuticaba e pão integral com casca provocaram pico glicêmico menor que a refeição controle.

  • Redução média de 24 % na glicemia duas horas após ingestão de 300 ml de suco clarificado.
  • Queda de IL‑6 (marcador inflamatório) em voluntários que consumiram 15 g/dia de pó de casca por cinco semanas.
  • Aumento de GLP‑1, hormônio que estimula saciedade, em estudo cruzado com 250 ml de suco integral.
  • Eliminação fecal de gorduras até 30 % maior, indicando menor absorção de triglicerídeos.

Embora animadores, todos os ensaios foram curtos e recrutaram poucos participantes. A próxima etapa, já planejada por grupos da Unicamp em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina, é testar cápsulas padronizadas de extrato de casca em pessoas com pré‑diabetes durante seis meses.

Desafios e caminhos para o Brasil

Transformar casca em ingrediente industrial exige contornar dois obstáculos: perecibilidade e sazonalidade. A fruta dura apenas três dias fora da geladeira; por isso, startups incubadas na Embrapa apostam em congelamento imediato e moagem criogênica para produzir farinha estável por um ano. Outra aposta é o extrato seco patenteado “MetaBody®”, já disponível para farmácias de manipulação, passo importante, mas que ainda carece de regulamentação clara na Anvisa para alegações funcionais.

No campo, municípios de Minas Gerais e Goiás enxergam chance de renda extra ao vender casca desidratada a indústrias de pães, iogurtes e bebidas. Se a cadeia for bem estruturada, o Brasil pode liderar um mercado global de corantes naturais e nutracêuticos, valorizando a biodiversidade nativa e reduzindo importação de mirtilo ou cranberry.

Referência da notícia

The Benefits of Jaboticaba-Based Interventions on Health. 9 de abril, 2025. Geraldi, M.V., de Souza, Á.C., Moya, A.M.T.M., Marostica Junior, M.R

Jaboticaba Berry: Metabolic Benefits, Bioactive Compounds, and Opportunities for Commercialization. 29 de Janeiro, 2025. de Souza, Á. C., Geraldi, M. V., & Junior, M. R. M