Avanço do oceano no litoral sul de SP extingue enseada e destrói comunidades caiçaras; entenda como ocorreu
O mar avançou sobre o litoral sul paulista e apagou uma enseada centenária, deixando famílias sem casas e revelando como ecossistemas frágeis sofrem mudanças irreversíveis.

O litoral sul de São Paulo mudou de forma abrupta em 2018, quando a Enseada da Baleia, na Ilha do Cardoso, deixou de existir. O que antes era uma faixa de areia e espaço de convivência para comunidades caiçaras, tornou-se mar aberto. Casas desapareceram, manguezais foram soterrados e espécies passaram a migrar em busca de sobrevivência.
A professora Marília Lignon Cunha, da Unesp de Registro, lembra que a região sempre foi instável, mas havia um equilíbrio natural. O rompimento, no entanto, ocorreu durante uma forte frente fria combinada a uma maré de sizígia, que amplia a diferença entre a mínima e a máxima da maré. “Foi um momento em que a energia do oceano estava muito forte. Mas o processo não foi só natural. A ação humana também ajudou”, explicou.

Além da força natural, o tráfego intenso de barcos e jet skis contribuiu para acelerar a erosão. As ondas geradas retiravam sedimentos constantemente, enquanto o simples caminhar sobre a areia fragilizada aumentava o desgaste. A história do Canal do Varadouro, aberto nos anos 1940, também pesa: ao conectar lagunas entre Paraná e São Paulo, deixou o ecossistema mais instável.
Comunidades expulsas e ecossistemas ameaçados pelo avanço constante
Com a abertura de uma nova barra que ligou o Canal de Ararapira ao oceano, a enseada desapareceu. Os mangues da região, expostos à salinidade oceânica, morreram em massa. Locais antes com salinidade média de 23% chegaram a 34%, próximo ao nível do mar aberto.
Sem condições adequadas, espécies de peixes migraram. Entre elas, o iriko, fundamental para a pesca artesanal, obrigou moradores a percorrer distâncias cada vez maiores para garantir renda e alimento.
A transformação abriu caminho para espécies invasoras, como a ostra tampinha e o mexilhão-verde, introduzidas por meio da água de lastro de navios internacionais. Elas se adaptaram ao novo ambiente e passaram a competir com espécies nativas, prejudicando ainda mais a pesca local.
Para especialistas, soluções fixas, como muros ou barreiras de concreto, não resolvem processos dinâmicos como esse. “A melhor forma de conter processos erosivos é manter barreiras naturais: restinga segurando dunas e manguezais saudáveis atuando como amortecedores”, afirmou Marília.
O desaparecimento da Enseada da Baleia mostra como o avanço do mar não se limita a mudanças na paisagem. Ele redefine fronteiras, ameaça culturas tradicionais e compromete ecossistemas que sustentam a vida marinha e humana.