Fim do La Niña? NOAA confirma, mas debate continua

A agência confirmou que o evento La Niña de 2024/2025 está fora dos registros históricos por falta de persistência e reacendeu o papel do aquecimento global na previsão de fenômenos climáticos.

Anomalias de TSM do Oceano Pacífico no dia 9 de Abril, onde é possível observar anomalias neutras na região central, e um aquecimento expressivo na costa da América do Sul.
Anomalias de TSM do Oceano Pacífico no dia 9 de Abril, onde é possível observar anomalias neutras na região central, e um aquecimento expressivo na costa da América do Sul.

"La Niña Final Advisory" é um boletim oficial emitido pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), dos Estados Unidos, para anunciar o término de um evento de La Niña. Publicado ontem (10), o boletim destaca a neutralidade das temperaturas da superfície do mar (TSM) no setor central do Oceano Pacífico, observada em Março, e o aquecimento na costa da América do Sul.

Como já abordamos aqui na Meteored diversas vezes, este evento foi bastante polêmico e dividiu a comunidade científica sobre a sua consolidação. A falta de persistência das anomalias frias fez com que o Bureau of Meteorology, a agência australiana de meteorologia, se mantivesse cautelosa sobre o fenômeno, declarando neutralidade desde o fim do El Niño, em Maio de 2024.

Condições recentes observadas

Em Março de 2025, as condições neutras do ENSO retornaram, com a redução das temperaturas abaixo da média na porção central e centro-leste do Pacífico Equatorial. Os índices Niño-3.4 e Niño-4 permaneceram próximos de zero, enquanto valores positivos persistiram nas regiões Niño-3 e Niño-1+2, mais próximas da América do Sul.

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Condições recentes observadas nas regiões de monitoramento do ENSO. Créditos: adaptado de CPC/NOAA.

Anomalias negativas ainda foram observadas em profundidade na parte central do Pacífico Equatorial, atingindo até 250m, mas um padrão mais quente predominou próximo à superfície no extremo leste.

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Probabilidade de evento ENOS em 2025. Créditos: CPC/NOAA.

A convecção permaneceu suprimida ao redor da Linha Internacional de Data e mais intensa sobre a Indonésia, refletindo características típicas da fase neutra do ENSO. Os modelos indicam que essa neutralidade deve persistir, pelo menos, até Outubro, com mais de 50% de probabilidade.

La Niña 2024/2025 fora dos registros, pelo menos por enquanto

A especialista Emily Becker, cientista e comunicadora no Blog ENSO da NOAA, explicou que o La Niña de 2024 não entrou para os registros históricos como um evento oficial devido à falta de persistência do resfriamento das águas do Pacífico Equatorial.

Além disso, ela detalhou como a métrica usada para classificar eventos do ENSO pode influenciar a forma como esse episódio será interpretado no futuro. A principal referência para identificar La Niña e El Niño é o índice Niño-3.4, que mede as anomalias de TSM em uma região específica do Pacífico Equatorial.

Para um evento ser oficialmente reconhecido, a anomalia deve ultrapassar ±0,5°C e se manter por pelo menos cinco períodos consecutivos de três meses.

No entanto, há outro fator importante: a média de referência usada para calcular essas anomalias. Atualmente, o NOAA utiliza o período de 1991-2020 como base para determinar se uma determinada TSM está acima ou abaixo do normal. Essa média de 30 anos é atualizada a cada década, o que significa que, em 2031, passará a ser 2001-2030, e assim sucessivamente.

Períodos de referência de 30 anos usados pela NOAA para avaliar a intensidade de eventos passados de El Niño e La Niña.
Períodos de referência de 30 anos usados pela NOAA para avaliar a intensidade de eventos passados de El Niño e La Niña. Créditos: ENSO Blog/CPC/NOAA.

Com o aquecimento global elevando as temperaturas oceânicas, um evento que hoje não atinge o limiar necessário pode, no futuro, parecer mais frio em relação à nova climatologia. Isso significa que, sob um novo período de referência, mais aquecido, o episódio de 2024-2025 poderia, retrospectivamente, ser reclassificado como um La Niña.

Essa questão reacende o debate sobre o impacto do aquecimento global nos fenômenos meteorológicos e climáticos, mesmo naqueles cujo entendimento já é amplamente consolidado.

O papel do aquecimento global e a redefinição do ENSO

Se as temperaturas globais continuarem subindo no ritmo atual, os critérios tradicionais usados para definir eventos como El Niño e La Niña podem precisar de ajustes para refletir essa nova realidade. Na verdade a NOAA já vem trabalhando num novo índice, que leva em conta o aquecimento dos oceanos, mas ainda não está consolidado.


O recente período de recordes de calor pode ter minado algumas projeções feitas pelos modelos, tornando ainda mais incerto o comportamento futuro de eventos La Niña, com resfriamentos cada vez mais aquecidos.

Como já abordamos aqui na Meteored, a compreensão completa do evento de 2024/2025 pode levar anos. Principalmente pelo fato de que mudanças nas temperaturas oceânicas podem estar alterando a forma como interpretamos fenômenos como o ENSO.