Avanço do mar na costa amazônica ameaça aves migratórias, alerta estudo científico
Pesquisadores identificam redução no número de aves, especialmente o maçarico-rasteirinho, em decorrência da transgressão marinha e da perda de habitat na costa do Amapá.

Entre 2018 e 2020, os pesquisadores Carlos David Santos e Danielle Paludo percorreram a costa norte do Brasil em pequenos aviões, voando a apenas 50 metros de altitude. Durante os sobrevoos, que totalizaram 630 quilômetros e abrangeram desde o Amapá até o Rio Grande do Norte, o objetivo era claro: contar aves migratórias e atualizar dados sobre sua presença na região.
O esforço revelou uma realidade preocupante. O número de aves migratórias observadas foi inferior ao esperado. Das cerca de 80 mil aves registradas, 91% pertenciam à espécie maçarico-rasteirinho (Calidris pusilla), uma pequena ave que viaja do Ártico até a Patagônia. A queda na quantidade de indivíduos motivou um estudo mais aprofundado para investigar as causas do declínio.
Reconhecida como uma das principais áreas de invernada dessas aves no Brasil, a costa norte amazônica apresenta condições naturais favoráveis à migração. No entanto, mudanças ambientais têm afetado os habitats essenciais para essas espécies.
Mudanças climáticas e avanço do mar
Apesar de ser uma região relativamente preservada e com baixa ocupação humana, a costa do Amapá não está imune aos impactos das mudanças climáticas. Três importantes unidades de conservação federais estão localizadas ali — o Parque Nacional do Cabo Orange, a Estação Ecológica Maracá-Jipióca e a Reserva Biológica do Lago Piratuba —, mas mesmo essas áreas sofrem com o avanço do mar.

Segundo o estudo publicado na revista Environmental Research Letters, a erosão costeira e o aumento do nível do mar vêm transformando ambientes críticos para as aves migratórias. A análise de imagens de satélite revelou que, entre 1985 e 2020, as áreas de inundação de maré aumentaram em 6%, evidenciando a expansão da transgressão marinha.
Essa elevação do nível do mar intensifica marés altas, ressacas e tempestades, impactando os manguezais e zonas entremarés, locais onde os maçaricos-rasteirinhos se alimentam de invertebrados, como moluscos e crustáceos. Árvores caídas e a mudança na paisagem costeira confirmam os efeitos devastadores da erosão.
Novos ambientes não atendem às necessidades das aves
Os pesquisadores esperavam que o avanço do mar gerasse novas zonas entremarés no interior do continente, que pudessem substituir os habitats perdidos. No entanto, os sobrevoos demonstraram que as aves evitavam essas áreas recém-inundadas, que não possuíam as condições adequadas para a presença da fauna invertebrada necessária à sua alimentação.
De acordo com a oceanógrafa Danielle Paludo, essas novas zonas ainda não são ambientes estabilizados. Já o professor Carlos David Santos, da Universidade Nova de Lisboa, explica que os sedimentos dessas regiões — de origem terrestre e mais compactos — dificultam o desenvolvimento da macrofauna necessária às aves.
Mesmo após décadas de inundação, essas áreas não se tornaram equivalentes às zonas entremarés tradicionais. Para as aves migratórias, esse cenário significa dificuldade para se alimentar e acumular energia, essencial para completar suas rotas longas e exaustivas.
Perspectiva futura é alarmante
Durante sua estadia no Brasil, os maçaricos precisam se recuperar rapidamente do esforço migratório. Sem acesso ao alimento adequado, sua sobrevivência e sucesso migratório ficam comprometidos. “Se não conseguirem se alimentar bem, não têm energia para seguir viagem”, alerta Santos.

Para o ecólogo Marcos Pérsio Dantas Santos, da UFPA, que não participou do estudo, os resultados confirmam uma das consequências mais graves das mudanças climáticas: a perda de habitat natural. Segundo ele, mesmo que novos ambientes surjam com a elevação do mar, eles dificilmente serão adequados para as espécies existentes.
No pior cenário do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU), o nível do mar pode subir entre 1 e 2 metros até 2100, o que significaria a desaparecimento da atual linha costeira brasileira. A adaptação das aves migratórias a esses novos ambientes é incerta, e o tempo para essa transição pode ser curto demais para evitar consequências drásticas à biodiversidade.
Referências da notícia
G1. Ameaça silenciosa: avanço do mar coloca em risco aves migratórias na Amazônia. 2025