A América do Sul está entre os locais com as tempestades mais intensas do mundo, incluindo parte do Brasil!
Análise de dados coletados por satélites indicam regiões na África, América do Sul e nos Estados Unidos como os locais preferenciais de tempestades no globo.
A região Sul do Brasil vem sendo castigada por tempestades severas ao longo de 2024, e o início de dezembro não foi diferente. Mas você já se perguntou onde ocorrem as tempestades mais severas ao redor do globo?
A severidade de uma tempestade está diretamente relacionada aos danos que ela pode causar na superfície, como chuvas volumosas, rajadas de vento intensas, raios, granizo, entre outros. O conceito de severidade é relativo e pode variar conforme a região analisada. Por exemplo, uma chuva de 100 milímetros pode ter impactos bem diferentes em uma cidade, onde o solo é impermeabilizado pelo concreto e a água tem menos superfície para infiltrar, em comparação com uma área rural ou de mata nativa, onde o solo pode absorver a água de forma mais eficiente.
Como é impossível obter registros diretos dos danos causados pelas tempestades em toda a extensão territorial do planeta, os estudos sobre tempestades ao redor do globo utilizam, basicamente, duas ferramentas: sensoriamento remoto e indicadores de severidade.
Sensoriamento remoto da atmosfera
Sensoriamento remoto é uma técnica de obtenção de informações sobre a superfície terrestre ou a atmosfera sem a necessidade de contato físico direto. Ele utiliza sensores instalados em plataformas, como satélites, por exemplo. Esses sensores captam informações por meio da detecção de energia refletida ou emitida pelos objetos, como infravermelho e micro-ondas.
Com base nos dados coletados pelos satélites, então, são definidos os indicadores de severidade. Ou seja, baseado em premissas científicas, se estabelece a relação entre padrões observados nos dados dos satélites e as características de severidade das tempestades.
Um estudo realizado por Zipser e colaboradores, publicado no Bulletin of the American Meteorological Society em 2006, utilizou dados do satélite Tropical Rainfall Measuring Mission (TRMM) para identificar as características e as localizações das tempestades mais severas e comparar sua distribuição ao redor do globo. Destacaram-se três regiões preferenciais: África equatorial, Sudeste da América do Sul e centro-sul dos Estados Unidos. Vamos entender um pouco mais sobre isso!
O satélite TRMM
O satélite TRMM foi lançado em 1997 como uma parceria entre a agência espacial dos Estados Unidos (NASA) e a Japão (JAXA). Ele operou até 2015, superando em muito sua missão inicial de três anos. A missão foi projetada para monitorar chuvas na região tropical e investigar a liberação de energia (calor) associada a esses eventos, contribuindo para previsões meteorológicas e estudos climáticos globais. Seus sensores avançados incluíam radar de precipitação, sensores de micro-ondas, de infravermelho e de raios.
Ao longo de sua operação, o TRMM coletou dados valiosos sobre tempestades tropicais e suas características, contribuindo para melhorar a previsão de eventos climáticos extremos e o entendimento sobre os padrões de precipitação. O estudo de Zipser e seus colaboradores utilizou os 7 primeiros anos de dados do satélite para definir seus indicadores de severidade.
Indicadores de severidade: as características das tempestades mais intensas
Uma nuvem é formada quando o ar úmido próximo à superfície é forçado a subir para altitudes mais elevadas na atmosfera. À medida que sobe, o ar se resfria, condensando o vapor d'água e formando gotículas. Esse processo, no entanto, pode variar em intensidade.
Quando as correntes de ar ascendentes são particularmente fortes, uma maior quantidade de umidade é transportada para altitudes muito elevadas, onde as temperaturas estão abaixo de zero. Nesse ambiente, o vapor d'água se congela, iniciando processos como a formação de cristais de gelo e granizo. Essas partículas em movimento dentro da nuvem colidem e trocam cargas elétricas, o que resulta na geração de descargas atmosféricas — os raios.
Dessa forma, a força das correntes ascendentes desempenha um papel central na severidade das tempestades. Isso permite entender os indicadores de severidade definidos por Zipser e colaboradores (2006) com base nos dados do satélite TRMM, sendo eles:
- Altura da linha de refletividade do radar superior a 40 dBZ: esse valor indica uma quantidade moderada a alta de partículas de água e cristais de gelo em suspensão. Quanto maior a altitude dessa linha, mais vigorosa é a tempestade, uma vez que correntes ascendentes intensas transportam maior conteúdo de umidade para altitudes mais elevadas.
- Temperatura de brilho mínima em micro-ondas: reflete a quantidade de gelo em altitudes elevadas, e valores menores indicam correntes mais intensas, com nuvens mais extensas verticalmente e topos mais altos (mais frios).
- Taxa de raios: elevada atividade elétrica sugere maior convectividade e fortes correntes ascendentes formando do gelo.
Locais com tempestades mais intensas
A análise dos indicadores de severidade no banco de dados do satélite identificou que apenas 1% de todos os sistemas precipitantes do conjunto observado pelo satélite são considerados extremos. Estes eventos extremos, no geral, estão predominantemente concentrados sobre terras continentais. Apesar das zonas de convergência intertropical oceânicas apresentarem grande volume de chuva, elas possuem poucos eventos nas categorias mais extremas.
As tempestades mais intensas frequentemente ocorrem em regiões semiáridas, como a África Equatorial, onde a precipitação total é menor, mas a intensidade das correntes convectivas é maior. Os diferentes indicadores de severidade utilizados no estudo são independentes, uma vez que cada um vem de sensores distintos, e identificaram uma distribuição de eventos extremos semelhante, como pode ser observado na figura abaixo.
Dentre as áreas com eventos convectivos mais intensos destacam-se:
- África Equatorial: esta região é líder em intensidade de tempestades devido à combinação de calor intenso, alta umidade e presença de aerossóis (partículas suspensas na atmosfera onde as gotículas se condensam) e padrões atmosféricos favoráveis.
- Sudeste da América do Sul: regiões como o norte da Argentina, o Paraguai e as suas vizinhanças - incluindo áreas do Brasil - apresentam tempestades severas, especialmente no verão, alimentadas por fortes jatos de baixos níveis (núcleos intensos de ventos úmidos em 1.5 km de altura) e instabilidade atmosférica. Destaca-se a parte oeste da região Sul do Brasil, incluindo Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e também o sudoeste do Mato Grosso do Sul, com número expressivo de eventos extremos.
- Centro-Sul dos Estados Unidos: essa região experimenta intensas tempestades, muitas vezes associadas a sistemas chamados de complexos convectivos de mesoescala, um tipo específico de tempestade organizada, que também ocorre no Sudeste da América do Sul.
O estudo revelou que regiões semidesérticas frequentemente abrigam tempestades mais severas, isso desafia a percepção de que a intensidade das tempestades está sempre relacionada a grandes volumes de chuva. A intensidade das tempestades nessas regiões é atribuída a uma combinação de alta umidade, transportada por jatos de baixos níveis, aquecimento intenso da superfície e mecanismos de levantamento, como montanhas e sistemas frontais.
Essas descobertas representam um desafio especial para modelos climáticos, que precisam simular não apenas a precipitação média, mas também as características das tempestades que produzem.
Impactos e Relevância
As tempestades nessas regiões não apenas representam um desafio para a previsão meteorológica, mas também têm implicações significativas para a segurança das populações locais, a aviação e os sistemas de energia. Compreender onde e por que essas tempestades ocorrem é fundamental para mitigar seus impactos e melhorar os sistemas de alerta precoce.
Esse estudo continua sendo uma referência importante para climatologistas e meteorologistas, destacando como o clima e a geografia moldam os padrões de tempestades em escala global.
Referência da notícia
Zipser, E. J., Cecil, D. J., Liu, C., Nesbitt, S. W., & Yorty, D. P. (2006). Where are the most intense thunderstorms on Earth? Bulletin of the American Meteorological Society, 87(8), 1057–1072. https://doi.org/10.1175/BAMS-87-8-1057