Cidade-sede da COP 30, Belém registra aumento de 1,9º C de temperatura máxima nos últimos 50 anos
Aumento de quase 2°C nas temperaturas máximas em Belém revela a crescente desigualdade climática e os impactos do crescimento urbano desordenado, colocando a cidade em risco em um futuro de calor extremo.

Nos últimos 50 anos, a temperatura máxima de Belém aumentou 1,9°C, e o impacto disso já pode ser sentido por quem vive e trabalha na cidade. A constatação não é apenas de estudiosos, mas também de feirantes como Gregório Beltrão, que há décadas vende açaí no tradicional Mercado de Ver-o-Peso.
Com o calor crescente, a deterioração dos produtos se tornou mais frequente. “Se não vender logo, perde mesmo e desperdiça. Essa quentura está insuportável”, lamenta, observando o impacto que as altas temperaturas têm no comércio local.
Aumento de temperatura em Belém já ultrapassa limite do Acordo de Paris
A pesquisa de Júlio Cézar Patrício, doutor em desenvolvimento socioambiental pela Universidade Federal do Pará (UFPA), analisou as temperaturas máximas registradas pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), e corrobora o aumento gradual da temperatura, com a média da década de 2020 chegando a 33,83°C.
Esse aumento de quase 2°C já ultrapassa os limites estabelecidos pelo Acordo de Paris, que visa controlar o aquecimento global, um reflexo claro das mudanças climáticas globais que atingem diretamente Belém. A cidade, que ainda carrega o título de “capital da Amazônia”, tem lidado com um crescimento urbano descontrolado, que agrava ainda mais as condições climáticas.
Crescimento urbano sem planejamento

O crescimento acelerado de Belém, que teve sua população aumentada em quase 40% nos últimos 50 anos, não foi acompanhado de políticas públicas eficazes para combater os impactos ambientais e climáticos. A cidade, que deveria ser um exemplo de integração com a natureza, ostenta o título de uma das capitais com menor índice de arborização no Brasil. Em vez de se preparar para as mudanças climáticas, Belém se tornou um reflexo de uma urbanização desenfreada, com áreas periféricas sofrendo ainda mais com o aumento da temperatura.
Júlio Cézar Patrício alerta que, apesar da imagem de Belém como “a cidade das mangueiras”, a falta de planejamento no uso do solo e na expansão urbana resultou em uma capital onde a arborização foi negligenciada.
Em um cenário onde o calor e a poluição aumentam a cada ano, a cidade se vê em um impasse: precisa urgentemente de um projeto de reurbanização que integre a natureza, mas parece incapaz de avançar em soluções eficazes. Sem ações concretas, a cidade continua sendo consumida pela falta de infraestrutura verde, agravando a situação do aquecimento urbano.
O impacto na população: prejuízos e sofrimento diários

O aumento da temperatura em Belém não é um dado distante, mas uma realidade palpável para quem vive nas periferias ou depende do comércio de produtos perecíveis. Maria do Carmo, vendedora de limão, diz que o calor intenso que chega cada vez mais cedo em seu dia de trabalho faz com que parte de sua mercadoria se deteriore rapidamente.
Além disso, trabalhadores como Jailson Farias, que vende tomates, enfrentam prejuízos devido ao calor extremo que afeta a qualidade de seus produtos. Mesmo com o transporte refrigerado, a mercadoria não resiste ao calor de Belém, amolecendo e perdendo a validade mais rápido. Esse cenário, que parecia ser um problema específico, está se tornando cada vez mais comum, à medida que a cidade sofre com uma temperatura insuportável e sem soluções a curto prazo.
Desigualdade climática: a farsa do crescimento verde
Se a situação já é crítica para quem vive no centro de Belém, nas periferias a realidade é ainda mais desoladora. A desigualdade social se reflete diretamente na qualidade de vida, com os mais vulneráveis enfrentando os piores efeitos do calor extremo. As áreas mais pobres, que têm menos arborização e infraestrutura, são as mais atingidas, e o poder público, até agora, parece ignorar a urgência de uma solução.
As promessas do novo prefeito da cidade, Igor Normando, de aumentar a arborização de Belém com o “Programa Cidade Verde” e plantar 10 mil mudas no primeiro ano, soam como mais uma tentativa de agradar a um público internacional, principalmente por conta da realização da COP30, que será sediada em Belém no final de 2025. No entanto, o real impacto dessa ação ainda é incerto, e a população sente a falta de ações reais e imediatas.
A realidade do aquecimento global: Não há mais tempo a perder
Doutor em meteorologia e professor na Universidade Federal do Pará (UFPA), Everaldo Souza alerta que, embora as soluções locais sejam urgentes, as emissões humanas de gases de efeito estufa têm efeitos a longo prazo.
“Esse aumento é uma conjunção de fatores locais e regionais. Tem a ver com a urbanização, a degradação ambiental, isso tem um efeito direto. Mas, também, por outros mecanismos globais, inclusive o próprio aquecimento global, as mudanças climáticas que estão exacerbando esse aquecimento e não só da temperatura, como também eventos extremos de chuvas e secas”, explica.
Se não houver uma mudança significativa nas políticas ambientais, o aquecimento continuará a afetar as próximas gerações, com Belém sendo uma das cidades mais afetadas no Brasil, com alta probabilidade de registrar mais dias de calor extremo até 2050.
Diante desse cenário, as promessas de um "futuro verde" para Belém são ilusórias se não houver uma mudança radical no planejamento urbano e no compromisso com políticas ambientais que envolvam todas as esferas da sociedade. A COP30, embora importante, não pode ser usada como um pretexto para ações paliativas.
Belém precisa de um compromisso real e imediato para reverter o quadro do aquecimento local, com políticas públicas que priorizem a arborização, a educação ambiental e a adaptação urbana às mudanças climáticas. O tempo está se esgotando, e as promessas vazias não são mais aceitáveis.
Referências da notícia
Amazônia Vox. Em 50 anos, temperatura máxima em Belém já aumentou 1,9°C. 2025
Revista de Gestão Social e Ambiental. Conforto Térmico e Arborização em Belém: cidade das mangueiras e anfitriã da COP 30. 2025