A história de 600 milhões de anos do estado do Ceará: das montanhas aos vulcões

O Ceará é um dos nove estados que compõe a região Nordeste do Brasil e tem muita história para contar. Desde as belas praias até o interior, saiba mais sobre as montanhas e vulcões do estado.

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Amostra de rocha submetida a alta pressão, coletada ao sul de Irauçuba no Ceará, região que foi identificada a coesita. Foto: Ticiano Santos.

Em janeiro de 2023 o estado do Ceará completou 224 anos da sua independência de Pernambuco e tem muita história para contar sobre um território de muitas belezas, muita riqueza e muita pobreza também. Do litoral com algumas das mais belas praias brasileiras, até o interior do estado tem muita cultura, muita história que inclusive mostra a existência de milhões de anos atrás.

Mas se o estado de 224 anos de independência, como falar de uma história tão antiga assim? Isso é permitido depois que foi realizada uma análise de minerais fazendo a reconstituição de uma paisagem e dos tantos movimentos de grandes blocos de rochas há cerca de 600 milhões de anos, fato que revelou a existência de montanhas e vulcões do Ceará.

A descoberta sobre a antiga existência de vulcões foi feita no município de Forquilha, que fica no noroeste cearense. Geólogos encontraram rochas com minerais que revelaram então as colisões entre placas tectônicas.

O geólogo Ticiano dos Santos começou uma pesquisa há cerca de 36 anos atrás e com a ajuda da estudante Michele Pitarello do Instituto de Geologia da Universidade Estadual de Campinas. Ambos reconstituíram os movimentos dos grandes blocos rochosos em áreas das regiões Nordeste e Centro-Oeste do Brasil.

Quando tudo começou

No ano de 2012, a estudante examinou durante meses dezenas de lâminas de rochas que foram pré-selecionadas pelo professor. A análise é feita através de lâminas de rochas já cortadas e polidas com uma espessura de 30 micrômetros, em que cada micrômetro equivale a um milésimo de milímetro, ou seja, algo bem pequeno.

No entanto, esse estudo começou bem antes e um ano marcante foi o de 1987 quando Santos foi pela primeira vez até a caatinga do noroeste do Ceará para fazer uma busca de rochas de fundo oceânico, isso quando ele ainda estava no último ano do curso de geologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte em Natal. A sua escolha pelo estudo foi motivada por uma pré-hipótese de dois professores da UFRN, Peter Hackspacker e Reinaldo Petta nos anos de 1952-2021.

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João Paulo Pitombeira, da Universidade Federal de Pernambuco, Nédia Borges e Ticiano Santos, fazem uma primeira seleção de rochas e minerais na região de Urauçuba no Ceará. Foto: Ticiano Santos.

Depois de muitas tentativas e análises incansáveis, Pitarello conseguiu identificar grãos micrométricos em rochas chamadas eclogitos que poderiam ser coesita, um mineral que se forma a profundidades em torno de 90 quilômetros a uma alta pressão, ou seja, cerca de 20 a 30 mil vezes maior que a pressão do nível do mar. A estudante ressalta que coesitas são bastante raras, uma vez que tendem a se transformar em quartzo quando sobem para profundidades menores, o que faz com que a pressão diminua.

Após a primeira pré-identificação, a confirmação da existência de coesita veio com a utilização de aparelhos mais apurados no IG da Unicamp localizado no Instituto de Física e on Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS). O mineral foi encontrado dentro de uma rocha coletada no pequeno município de Forquilha (CE) que tem cerca de 25 mil habitantes. Tais resultados foram parar na revista científica Gondwana Research em 2015.

Outras descobertas

Muitos outros estudantes de geologia ficaram encantados pelas descobertas contando a história de montanhas e vulcões no Ceará e o estudo continuou. O estudante Matheus Ancelmi identificou e catalogou em seu mestrado mais de 40 afloramentos de rochas que foram também submetidas a alta pressão na mesma região. Depois disso, fizeram os mesmos testes em outra área no município de Irauçuba que fica há cerca de 70 quilômetros de Forquilha. Cinco anos depois conseguiram encontrar amostras de coesita.

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Descampado no município de Forquilha (CE) onde os geólogos encontraram rochas com minerais que detalharam as colisões entre placas tectônicas na região. Foto: Ticiano Santos.

Segundo o geólogo Benjamim Bley do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, a descoberta das coesitas merece uma festa, falou ele empolgado mesmo sem participar da pesquisa. Em sua fala, ele completa: "cientificamente, com os eclogitos, que também são raros, reforça os estudos sobre a correlação geológica entre o Nordeste do Brasil e a África norte-oriental, que já estiveram unidos".

Há muitos e muitos anos atrás, cerca de 640 milhões de anos, a região de Forquilha no Ceará tinha uma outra característica de paisagem diferente da atual. Era composta por uma cadeia de montanhas como o Himalaia que é muito mais recente e ainda está em formação. Pesquisadores relatam que a cordilheira deve ter se formado após a destruição em uma área de encontro de duas placas tectônicas de um antigo oceano e a colisão entre dois continentes, um a leste de Sobral (CE) e o outro a oeste.

Na prática, todas essas descobertas permitem, por exemplo, que os moradores a leste e a oeste da cidade de Sobral possam dizer que vivem em regiões que já pertenceram a continentes diferentes há milhões de anos atrás. Aliás, outro fato importante é falar sobre as placas tectônicas em que quando uma mergulha sobre a outra, parte das rochas do magma derrete, e com isso, a lava de vulcões sobe e forma as cadeias montanhosas.

A pesquisa é motivada pela raridade do mineral, em que até agora no mundo inteiro foram encontradas apenas 24 ocorrências de coesitas, em que esse número já inclui as duas recentes do Ceará, que foram as primeiras e únicas encontradas no Brasil até o momento, mas os geólogos apostam que vão conseguir localizar mais em nosso país.

As informações deste artigo foram obtidas na Revista Pesquisa Fapesp, na publicação "Quando havia montanhas e vulcões no interior do Ceará".