Uma espécie de raposa foi animal de estimação dos humanos que habitavam o norte da Patagônia há 1.500 anos

Em um sítio arqueológico ao sul de Mendoza foi descoberto que há 1.500 anos os humanos caçadores-coletores tinham uma espécie de raposa como animal de estimação.

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Representação de Dusicyon avus, uma espécie de raposa extinta que dividia espaço e dieta semelhante com os humanos no norte da Patagônia há 1.500 anos. Imagem: Creative Commons.

Os resultados de uma pesquisa mostram que os humanos caçadores-coletores na atual Patagônia argentina mantinham raposas como animais de estimação antes da chegada dos cães europeus, há cerca de 500 anos. Em alguns casos, os antigos colonos eram tão apegados às suas raposas que até as enterraram com eles, conforme indicado em um texto da Live Science.

A pesquisa conclui que uma raposa extinta enterrada com caçadores-coletores há 1.500 anos tinha uma ligação direta como animal de estimação dos humanos.

Na época, foi proposto que os cães modernos da região eram uma mistura de raposas e cães, mas provavelmente não é o caso. Tudo indica que as raposas foram completamente extintas. Este novo estudo, publicado recentemente na revista Royal Society Open Science, descreve o exame de uma tumba no sítio de Cañada Seca, a cerca de 210 quilômetros ao sul da cidade de Mendoza (Argentina), e perto da fronteira com a província de Neuquén.

No resumo da pesquisa, liderada por Cinthia Abbona, do Instituto de Evolução, Ecologia Histórica e Meio Ambiente (IDEVEA), é indicado que a região norte da Patagônia foi habitada por grupos de caçadores-coletores até tempos históricos. Estudos arqueológicos anteriores relataram restos de canídeos que se supunha fazerem parte da dieta humana. Contudo, a importância destes canídeos dentro dos grupos humanos tem levantado dúvidas. Neste estudo, análise de DNA antigo, exame morfológico e análise de isótopos estáveis foram usados para reavaliar a atribuição taxonômica de um canídeo descoberto no cemitério de Cañada Seca, no Holoceno Superior.

Raposas como animais de estimação

Identificações morfológicas anteriores sugeriram que a raposa pertencia ao gênero Lycalopex, mas o novo estudo demonstra conclusivamente que o indivíduo pertence à extinta espécie de raposa Dusicyon avus. Esta descoberta estende a distribuição geográfica conhecida do Dusicyon avus até o extremo norte da Patagônia.

O sítio Cañada Seca foi descoberto em 1991 e preserva ossos de pelo menos 24 pessoas, incluindo crianças, e seus objetos pessoais, como colares de contas, ferramentas de pedra, e enfeites labiais.

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Os pesquisadores usaram medições precisas dos ossos sobreviventes e análises de DNA antigo para determinar que pertenciam a um indivíduo da espécie de raposa Dusicyon avus. Imagem: Francisco Prevosti.

Datas de radiocarbono calculadas anteriormente sugerem que eles viveram lá há cerca de 1.500 anos. Uma das tumbas também contém o esqueleto parcial de uma raposa, que o estudo identifica pela primeira vez como Dusicyon avus. Esta espécie extinta está intimamente relacionada com a raposa ou lobo das Malvinas (Dusicyon australis), que foi extinta no século 19.

Os pesquisadores indicaram que a raposa parece ter sido enterrada deliberadamente ao lado da pessoa na sepultura, marcando a segunda descoberta desse tipo na América do Sul, segundo declarou Ophélie Lebrasseur à Live Science, zooarqueóloga da Universidade de Oxford (Inglaterra) e coautora do estudo. Por outro lado, os achados indicam que o indivíduo Dusicyon avus compartilhava uma dieta semelhante à dos humanos, além de ali ter sido enterrado. Isto sugere uma relação estreita entre ambas as espécies durante a sua vida e morte.

A história da relação entre humanos e animais de estimação na América

A investigação etnográfica demonstrou os diferentes tipos de relações entre animais selvagens e humanos que podem surgir das suas interações, desde a presa até ao animal de estimação. Os pesquisadores destacam, por exemplo, que nas comunidades indígenas da Amazônia os jovens canídeos selvagens são frequentemente adotados, tornam-se parte da família e são tratados como humanos quando morrem.

Talvez a melhor ilustração desta interação seja a natureza social, simbólica e econômica das nossas relações com o cão doméstico (Canis familiaris), que não só tem sido auxiliar de caça, guardião e companheiro, mas também fez parte de práticas medicinais e simbólicas, fonte de carne e peles e animal de transporte, entre outras funções. Além do melhor amigo do homem, as sociedades também mantiveram diversas relações com espécies de canídeos selvagens que compartilhavam o seu ambiente. Além disso, restos de cães antigos também foram amplamente estudados pelo seu potencial como indicadores da dieta paleo humana.

Em contraste, a investigação sobre as relações entre pessoas e canídeos selvagens, particularmente raposas, tem sido limitada. As raposas provavelmente desempenharam importantes funções econômicas e simbólicas nas sociedades sul-americanas, como indica sua presença frequente em sítios arqueológicos. Por exemplo, dentes pertencentes a espécies de canídeos foram usados como ornamentos pessoais e foram encontrados em sepulturas humanas na Argentina e no Peru.

Dentre essas espécies, L. culpaeus participou de atividades rituais no altiplano boliviano, como acompanhar indivíduos humanos enterrados. Em outros sítios arqueológicos no Chile e na Argentina, os restos destas espécies foram interpretados como ocasionalmente parte da dieta humana.

Referência da notícia:

Abbona, C. C. et al. Patagonian partnerships: the extinct Dusicyon avus and its interaction with prehistoric human communities. Royal Society Open Science, v. 11, n. 4, 2024.