Humanos transmitem mais vírus para os animais do que o contrário, segundo estudo

Através de análises genéticas de milhares de vírus, os pesquisadores mostraram que as doenças transmitidas por nós aos animais são mais prevalentes e prejudiciais do que o oposto.

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No ano passado, o vírus da gripe aviária (H5N1) causou um surto mortal que que migrou da Ásia para a Europa e a África, chegando também nas Américas.

Várias doenças letais que atingiram a humanidade ao longo do tempo vieram de patógenos dos animais para os seres humanos. Um exemplo é o vírus HIV causador da AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), que veio dos chimpanzés. Outro exemplo é o vírus ebola que causou um surto em 2013 na África ocidental, vindo de morcegos. E muitos especialistas acreditam que o vírus que causou a pandemia de Covid-19 em 2020 veio dos morcegos.

Agora, um novo estudo publicado recentemente na revista Nature Ecology & Evolution nos mostra que isso não é uma via de mão única. Nele, os pesquisadores mostraram que as doenças que transmitimos aos animais acabam sendo mais prevalentes e prejudiciais do que as que eles transmitem para nós.

Transmissões virais de humanos para animais e vice-versa

A pesquisa, realizada por cientistas da University College London (UCL), em Londres (Inglaterra), analisou cerca de 60 mil sequências de genomas virais - ou seja, suas informações genéticas - atualmente disponíveis em bancos de dados públicos. A partir dessas informações, eles conseguiram reconstruir a história evolutiva de vários vírus, bem como rastrear a transferência de hospedeiros em 32 famílias virais, as quais representam 3 mil doenças que afetam múltiplas espécies.

Os pesquisadores observaram que quase o dobro dos casos de transmissão viral humanos-animais foram de humanos para outros animais (64% do total de doenças), enquanto apenas 36% foram de animais para humanos. Além disso, casos de transmissão de viroses de animal para animal, sem participação humana, foram os mais identificados (79% dos vírus estudados).

As viroses transmitidas por animais hospedeiros são conhecidas como zoonoses virais, que inclusive são algumas das principais doenças infecciosas circulantes atualmente no mundo. Já as infecções próprias dos humanos, em que ele é o único hospedeiro, são chamadas antroponoses.

O estudo também revelou que as transferências de hospedeiros estão associadas a uma maior mutação genética dos vírus – o que expõe a necessidade do microrganismo viral se adaptar para atingir cada vez mais novos hospedeiros. Os vírus que já infectaram vários animais mostraram menos sinais de alterações genéticas, o que indica uma certa facilidade natural em infectar novas espécies.

"Quando os animais pegam vírus de humanos, isso não apenas pode prejudicá-los e potencialmente representar uma ameaça para a conservação de sua espécie, como também pode causar problemas à saúde pública, afetando a segurança alimentar se grandes quantidades de gado precisarem ser abatidas para evitar uma epidemia, como tem acontecido nos últimos anos com a cepa H5N1 da gripe aviária”, disse Cedric C. S. Tan, autor principal do estudo.

As espécies animais atingidas

Pessoas e animais são hospedeiros de inúmeros micróbios que podem saltar para outra espécie por meio de contato próximo. O estudo notou transmissões virais envolvendo todos os grupos vertebrados: mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes. “Os vírus podem pular entre espécies diferentes pelos mesmos modos de transmissão que se aplicam aos humanos, incluindo contato direto com fluidos infectados ou mordidas de outras espécies, entre outros”, disse Tan.

Os humanos transmitiram o coronavírus para 132 tipos de animais. A gripe também foi passada por nós para ao menos 37 espécies animais.

Os animais afetados pela transmissão humana incluem bichos de estimação, como gatos e cachorros; animais domesticados, como porcos, cavalos, gado, galinhas, patos; primatas, como chimpanzés, gorilas, macacos; e animais selvagens, como guaxinins e saguis-de-tufo-preto. Os animais selvagens têm muito mais probabilidade de passar por uma transmissão humano-para-animal do que vice-versa.

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Casos raros de gripe aviária em vacas foram identificados nos últimos dias no Texas e Kansas, estados americanos. Crédito: Cowmed/Divulgação.

Contudo, a zoonose (animal-humano) tem sido a principal preocupação em relação às perigosas doenças infecciosas emergentes. Segundo o estudo, a maior ameaça atual é provavelmente a gripe aviária H5N1, que está circulando em aves selvagens. ”A principal razão para saltos recentes de hospedeiros serem tão perigosos é que a população da espécie hospedeira não tem imunidade pré-existente à nova doença, por isso ela pode circular de forma preocupante em humanos”, disse François Balloux, coautor do estudo.

Por fim, Tan diz que “compreender como e por que os vírus evoluem para se espalhar por diferentes hospedeiros pode nos ajudar a descobrir como novas doenças virais surgem em humanos e animais”.

Referência da notícia:

Tan, C.C.S.; Van Dorp, L.; Balloux, F. The evolutionary drivers and correlates of viral host jumps. Nature Ecology & Evolution, 2024.