Pesquisa mostra como o sistema nervoso de um verme se comunica “sem fio”

Esse mapeamento pode ajudar os cientistas a compreender como são reguladas as emoções ou estados mentais e condições neuropsiquiátricas generalizadas, como distúrbios alimentares ou transtornos obsessivo-compulsivos.

Caenorhabditis Elegans
O verme que eles estudaram chama-se C. elegans, um animal de cerca de 1 mm que vive no solo e que, apesar de ter uma anatomia muito simples, partilha muitas das características biológicas essenciais que são problemas centrais da biologia humana.

As conexões sem fio já fazem parte do nosso dia a dia. Telefones, computadores ou dispositivos inteligentes, tudo se comunica sem a necessidade de um único cabo. Você imaginou que o cérebro e o sistema nervoso são capazes de fazer o mesmo?

Isto foi demonstrado por um estudo colaborativo internacional publicado recentemente na revista Neuron. Pesquisadores usaram um pequeno verme muito popular no mundo da ciência, chamado Caenorhabditis elegansC. elegans – para rastrear “sinais sem fio” que demonstravam a comunicação entre seus neurônios.

Compreender o funcionamento deste “conectoma sináptico”, que em palavras simples podemos definir como um mapa neuronal conectado sem fio, poderia fornecer informações importantes sobre como as emoções são controladas e sobre certas condições neuropsiquiátricas.

Sinal em forma de molécula

Como funciona esse sistema de conexão sem fio? Graças a moléculas pequenas, mas muito importantes, chamadas neuropeptídios, que nada mais são do que pequenas proteínas.

O artigo detalha que estes “permitem a comunicação entre neurônios que não estão imediatamente próximos, portanto suas redes podem ser consideradas um conectoma sem fio, ou seja, um mapa dos neurônios que compõem o cérebro de um organismo e dos circuitos detalhados das vias neurais dentro dele”.

sinapse neuronal
Os neurônios também se comunicam por meio de sinapses, processo de transmissão de sinais elétricos ou químicos que permitem nosso funcionamento, para poder sentir, pensar e agir.

Poderíamos entender assim: o corpo desse verme seria como uma cidade cheia de 302 prédios (total de neurônios do C.Elegans). Agora, estas pequenas moléculas chamadas neuropeptídeos são como mensagens especiais que viajam entre estes edifícios.

O mapa que eles criaram é como uma planta detalhada que nos mostra exatamente em quais edifícios essas moléculas estão e onde estão localizadas as portas (receptores) que as recebem.

Um papel crucial nas respostas biológicas

Muitas das funções vitais que ocorrem em nosso corpo ocorrem graças a esses sinais sem fio conhecidos como neuropeptídios.

Respostas como humor, comportamento sexual, aprendizagem, memória, regulação do sono ou resposta a drogas... Todos elas são resultado de uma interação dessas moléculas com receptores do sistema nervoso, mas não é só isso, pois as conexões podem viajar para “outras vizinhanças” mais distantes.

Um exemplo é a oxitocina, um neuropeptídio que atua em vários circuitos cerebrais que afetam o vínculo entre pais e filhos, mas também faz com que os músculos do útero se contraiam durante o parto.

Os neurônios são capazes de sintetizar tanto moléculas sinalizadoras quanto aquelas que irão receber esse sinal (receptores), criando assim uma grande rede neuronal essencial para o funcionamento do cérebro.

Em um comunicado publicado pela Universidade Católica de Lovaina, uma das instituições participantes no estudo, a investigadora Isabel Beets explicou que: “não só descobrimos quais neuropeptídios atuam em que parte do sistema nervoso do animal, mas também descobrimos que a rede é complexa, mas claramente organizada, com um circuito de processamento de informações dentro dela”.

Abrindo portas para a pesquisa médica

Embora o modelo do verme possa parecer simples demais, o grupo de pesquisa está entusiasmado – embora cauteloso – ao declarar que poderá ser de grande ajuda na compreensão de organismos maiores, como os humanos.

O sistema nervoso do verme é anatomicamente pequeno, mas no nível molecular seus sistemas de neuropeptídios são altamente complexos, mostrando paralelos significativos com animais maiores - Lidia Ripoll-Sánchez, pesquisadora do Laboratório de Biologia Molecular do Medical Research Council em Cambridge, Reino Unido.

A professora Isabel Beets assegura que este novo “mapa sem fio” é um “passo em frente na compreensão do funcionamento do cérebro e do sistema nervoso, e este maior conhecimento pode levar ao desenvolvimento futuro de terapias específicas para uma série de doenças”.

Referência da notícia:
BEETS, I. et al. System-wide mapping of peptide-GPCR interactions in C. elegans. Cell Reports, v. 42, n. 9, 2023.