Sem necessidade dos polinizadores? Estudo revela adaptação de plantas devido à escassez de insetos

Os investigadores analisaram as flores dos amores-perfeitos e descobriram que eram mais pequenas e produziam menos néctar do que há 20 ou 30 anos, tornando-se “menos atraentes” para os polinizadores.

Viola arvensis ou amor-perfeito
As violetas ou amores-perfeitos observados neste estudo adotaram uma estratégia mais autossuficiente na produção de sementes em um curto período de três décadas. Crédito da imagem: Samson Acoca-Pidolle.

Na história da evolução conhecemos relações entre espécies emblemáticas e belas, uma delas é a das flores e dos insetos. As plantas e suas flores coloridas cheias de néctar e pólen esperam pacientemente por seus visitantes alados, que nelas encontram o alimento e o abrigo necessários para continuar sua jornada após um bom descanso.

Este grande exemplo de cooperação mútua conhecido como polinização, onde os insetos transportam pólen para a reprodução das plantas, pode estar a tomar um rumo inesperado.

Um estudo recente da Universidade de Montpellier, na França, mergulhou no passado e no presente das violetas selvagens (Viola arvensis), também conhecidas como amores-perfeitos, na região de Paris para desvendar a evolução das suas interações com os polinizadores.

“Revivendo” os ancestrais

Em uma viagem no tempo, os pesquisadores utilizaram uma metodologia conhecida como “ecologia da ressurreição”, procedimento que, neste caso, consiste em cultivar sementes armazenadas há vários anos e compará-las com seus contemporâneos.

Neste caso, compararam flores de sementes colhidas entre 1992 e 2001, com sementes desta época, colhidas em 2021.

Foram analisadas diversas gerações, medindo características como o tamanho e a cor das flores, bem como a quantidade de néctar que elas produzem. Flores que são 10% menores e produzem 20% menos néctar do que flores que cresciam nos mesmos campos há 20 ou 30 anos. Destacaram também que são menos visitados por insetos.

Síndrome de autopolinização, um círculo vicioso

Além do tamanho e da produção de néctar, o estudo mostrou que as novas gerações de Viola arvensis tinham menos cor e se tornaram “menos atrativas” para os insetos.

Conforme detalhado na publicação, isso mostra a rápida adaptação ao panorama atual, onde há cada vez menos disponibilidade de polinizadores. As violetas selvagens caminham para a autopolinização, para se tornarem autossuficientes e se reproduzirem consigo mesmas, sem depender de insetos.

“Nossos resultados mostram que as antigas interações que ligavam os amores-perfeitos aos seus polinizadores estão desaparecendo rapidamente”.

Samson Acoca-Pidolle, investigador principal do The Guardian.

E embora seja fascinante, segundo a pesquisa, esse é um ponto controverso porque ocorre um “círculo vicioso”, em que “a diminuição dos polinizadores leva a uma menor produção de néctar pelas flores, o que por sua vez “poderia agravar o declínio destes insetos.”

Evolução em tempo real

A evolução é um processo que leva muito tempo – é uma questão de olhar para o caso do próprio Homo sapiens – porém, as violetas selvagens parecem ser uma “corrida” de rápida adaptação e acontecendo em tempo real diante dos nossos olhos.

Zangão no campo de amores-perfeitos
Este estudo não é apenas uma janela para o passado e o presente das flores, mas também um alerta sobre como as atuais pressões ambientais podem remodelar rapidamente interações cruciais entre plantas e polinizadores.

“Essa pesquisa mostra uma planta desfazendo milhares de anos de evolução em resposta a um fenômeno que só existe há 50 anos”, disse Philip Donkersley, especialista em impacto ecológico da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, ao The Guardian.

Os pesquisadores sublinharam a importância de tomar medidas para contrariar este fenômeno o mais rapidamente possível e, assim, salvaguardar as interações entre plantas e polinizadores, que existem há milhões de anos.

Referência da notícia:
Acoca-Pidolle S., Gauthier P., et. al. Ongoing convergent evolution of a selfing syndrome threatens plant–pollinator interactions. New Phytologist (2023).