Agronegócio brasileiro causa mais perda de carbono do solo que as queimadas

Estudo revela que a agricultura industrial na Amazônia compromete mais o solo e o ciclo do carbono do que as queimadas recorrentes.

O modelo de produção agrícola vigente atualmente no Brasil está exaurindo o solo e potencializando a emissão dos gases do efeito estufa. Foto: Reprodução/Internet.
O modelo de produção agrícola vigente atualmente no Brasil está exaurindo o solo e potencializando a emissão dos gases do efeito estufa. Foto: Reprodução/Internet.

A expansão da fronteira agrícola na Amazônia tem sido um dos maiores responsáveis pela degradação ambiental na região. A mudança do uso do solo tem um impacto crucial nas mudanças climáticas, uma vez que, além do impacto causado propriamente pelo criminoso desmatamento, também utiliza métodos que envolvem queimadas, com a intenção final de implantar algum tipo de monocultura.

Embora as queimadas recorrentes sejam amplamente associadas à perda de biodiversidade e às mudanças climáticas, um estudo internacional, liderado por brasileiros, mostrou que o modelo agrícola brasileiro atual é ainda mais prejudicial ao solo - e, consequentemente, à atmosfera - do que as queimadas.

O que é a monocultura, principal vilã da degradação do solo

Primeiramente, vamos entender o que é a monocultura, modelo predominante de produção no Brasil. A monocultura é o sistema agrícola em que se cultiva uma única espécie de planta em grandes extensões de terra, de forma contínua e intensiva, com remoção da vegetação original.

Segundo estimativa do WWF, a monocultura da soja desmatou cerca de 30% do Cerrado brasileiro apenas entre 2004 e 2017. Créditos: reprodução/internet.
Segundo estimativa do WWF, a monocultura da soja desmatou cerca de 30% do Cerrado brasileiro apenas entre 2004 e 2017. Créditos: reprodução/internet.

A prática intensiva, que prioriza o lucro e a produtividade a curto prazo, utiliza técnicas que esgotam os nutrientes do solo, como o revolvimento frequente com arado, o uso excessivo de fertilizantes químicos e a remoção da cobertura vegetal.

O que significa a perda de carbono do solo?

A perda de carbono do solo ocorre quando a matéria orgânica, que armazena carbono, é degradada ou removida, geralmente por práticas agrícolas intensivas, desmatamento ou erosão. Isso reduz a fertilidade natural do solo, diminui a biodiversidade e o torna mais homogêneo e dependente de insumos externos para manter sua produtividade.

O solo pode ser tanto um sumidouro, sequestrando carbono, quanto uma fonte para a atmosfera.
O solo pode ser tanto um sumidouro, sequestrando carbono, quanto uma fonte para a atmosfera.

A matéria orgânica do solo é um dos maiores reservatórios de carbono do planeta. Quando o solo é manejado inadequadamente, ele passa de sumidouro a fonte de gases de efeito estufa.

O aumento da concentração de gases do efeito estufa vem causando o aumento global das temperaturas, tanto dos oceanos quanto da atmosfera.O aquecimento global vem causando mudanças climáticas ao redor do mundo, alterando o ciclo hidrológico e tornando os eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, além de intensos. Esse ciclo é autodestrutivo também para o agronegócio, que precisa urgentemente de mudanças.

Resultados da pesquisa mostra que o impacto das queimadas é menos preocupante do que o agronegócio

O estudo internacional “Impacts of repeated forest fires and agriculture on soil organic matter and health in southern Amazonia”, liderado por brasileiros, comparou a saúde de diferentes solos.

Os solos analisados foram aqueles com florestas conservadas, florestas com queimadas a cada três anos, florestas com queimadas anuais e àqueles utilizados há mais de 10 anos com a mesma cultura.

Segundo a pesquisa, a monocultura reduz os estoques de carbono no solo em até 38%, uma perda consideravelmente maior quando comparada aos impactos das queimadas, que causam uma redução de até 19% nos estoques de carbono.

Resultados à esquerda (reprodução/INPA) e área de estudo com seus respectivos solos à direita (adaptado de Naval et al., 2025/Revista Caetana).
Resultados à esquerda (reprodução/INPA) e área de estudo com seus respectivos solos à direita (adaptado de Naval et al., 2025/Revista Caetana).

Embora as queimadas recorrentes sejam extremamente danosas, o processo de conversão para a agricultura industrial traz consigo a destruição completa da matéria orgânica do solo e a alteração irreversível da sua estrutura.

Ao introduzir plantas de ciclo curto e técnicas como o arado, o solo perde rapidamente sua capacidade de reter nutrientes e sustentar a vegetação nativa.

Isso quer dizer que as queimadas não são ruins?

No caso das queimadas, a perda de carbono é significativa, mas o processo não compromete de forma tão permanente a estrutura do solo quanto a conversão para o agronegócio.

É importante reforçar que, nem de longe, isso significa que as queimadas não sejam extremamente danosas para os solos, atmosfera e ecossistemas.

As queimadas, mesmo recorrentes, não alteram o solo de maneira tão profunda quanto a aração e o cultivo de grandes monoculturas, práticas típicas do modelo agrícola atual.

A urgência de repensar o modelo agrícola

Este estudo reforça a urgência de repensar o modelo agrícola atual e ações efetivas de proteção e conservação da Amazônia. A degradação do solo e a perda de carbono são consequências diretas de práticas insustentáveis, que impactam não apenas a saúde ambiental da região, mas também as futuras gerações que dependerão desse ecossistema para regular o clima global.

A floresta Amazônica abriga a maior biodiversidade do mundo, com 1 em cada 10 espécies conhecidas, além de diversas comunidades indígenas.
A floresta Amazônica abriga a maior biodiversidade do mundo, com 1 em cada 10 espécies conhecidas, além de diversas comunidades indígenas.

Já é consolidado que a importância da Amazônia está muito além da regional, ela é uma importante fonte de umidade para outras regiões do continente, como para o Sudeste do Brasil e a região da Bacia do Prata. O Brasil precisa urgentemente adotar políticas de conservação mais rigorosas e investir em modelos agrícolas sustentáveis que respeitem os limites do meio ambiente.

Referência da notícia

Impacts of repeated forest fires and agriculture on soil organic matter and health in southern Amazonia, publicado em 25 de março de 2025 na Revista Caetana.

Solo perde mais carbono virando monocultura do que pegando fogo, publicado em 8 de abril de 2025 por Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.