El Niño seria o culpado pela intensa onda de calor histórica que atinge grande parte do Brasil?

O Brasil está sofrendo com uma forte onda de calor, já considerada a mais intensa dos últimos anos, que poderá piorar nos próximos dias. Mas qual seria o causador de um calor tão intenso nessa época do ano?

Onda de calor Brasil
A atual onda de calor já está provocando recordes de temperatura no Brasil e ainda poderá se agravar nos próximos dias.

Não tem jeito, hoje no Brasil o principal tópico de discussão meteorológica é a onda de calor extrema que grande parte do país vive neste final de inverno. O calor está tão intenso que está fazendo com que os termômetros cheguem perto dos 40°C em diversas localidades onde as temperaturas máximas esperadas para essa época do ano não chegam nem a 30°C.

Esse é o caso da cidade de São Paulo que, de acordo com as medições feitas pela estação do INMET no Mirante de Santana, registrou uma temperatura máxima de 33,3 ºC nesta terça (19), quando a temperatura máxima esperada para essa época é de 25ºC. Esse é apenas um exemplo das diversas outras cidades no Brasil que estão registrando temperaturas muito acima da média e assim continuarão nos próximos dias, já que essa onda de calor ainda está longe de acabar.

O principal responsável pelo calor extremo e pela inibição das chuvas é um padrão de bloqueio atmosférico que está se estabelecendo sobre a porção central da América do Sul. Esse bloqueio deverá durar até meados da semana que vem, inibindo o avanço das frentes frias, a formação de chuvas, diminuindo a umidade do ar e elevando ainda mais as temperaturas. Mas por que esse bloqueio se estabeleceu nesse final de inverno e início de primavera? Seria o El Niño o culpado?

Se não é o El Niño, quem será o culpado pelo calor?

Não podemos negar o protagonismo do El Niño no atual cenário climático do planeta, mas, como já mencionamos diversas vezes em artigos anteriores, ele não é o único padrão climático impactando o clima no momento, e não é o principal responsável pelo estabelecimento do padrão de bloqueio sobre o Brasil. Como também já mencionamos em artigos anteriores, o Oceano Índico terá grande influência sobre a variabilidade climática nessa primavera, com o estabelecimento da fase positiva do Dipolo do Oceano Índico (DOI).

Padrões de onda (linha superior) e padrões de anomalia de chuva sobre o Brasil (linha inferior) associados a fase negativa (coluna esquerda) e positiva (coluna direita) do Dipolo do Oceano Índico de acordo com o estudo de Sena e Magnusdottir (2021). Imagem adaptada de Sena e Magnusdottir (2021).

O DOI positivo não só será um grande influenciador do clima no Brasil na primavera, como já está sendo, podendo ser o principal responsável pelo estabelecimento do padrão de bloqueio. Alguns artigos científicos mostram que quando o DOI está ativo, ele é responsável pela variabilidade do clima na América do Sul na primavera, via um padrão de ondas de Rossby, que parte da porção leste do Índico, atravessa o Pafício Sul e chega nas latitudes subtropicais do Atlântico. Um artigo de 2005 mostra que quando em fases positivas do DOI, o padrão de ondas resultante acaba gerando anomalias de temperatura acima da média na América do Sul, incluindo o Brasil.

O Dipolo do Oceano Índico influencia o clima do Brasil durante a primavera via trem de ondas de Rossby. Quando em sua fase positiva, esse trem de ondas favorece a permanência de um anticiclone anômalo sobre o Brasil!

Em um artigo mais recente de 2021, novamente foi mostrado o padrão de ondas de Rossby que emana do Índico durante as duas fases do DOI, principalmente durante a fase positiva, quando esse padrão de onda é mais robusto e intenso. Neste trabalho os autores mostram que durante a fase positiva o padrão de ondas é responsável por gerar um anticiclone anômalo sobre parte do Atlântico Sul e o Sudeste do Brasil. A persistência desse anticiclone anômalo causa uma drástica diminuição das chuvas e aumento da temperatura na região.

Padrão de onda (imagem superior), anomalia de temperatura a 2 metros (imagem do canto inferior esquerdo) e anomalia de precipitação (imagem do canto inferior direito) observadas em setembro de 2019. Imagem adaptada de Gomes, Cavalcanti e Muller (2021).

Um outro artigo que investigou as influências oceânicas nas condições de seca registradas nos anos de 2019 e 2020 no centro-sul do Brasil, também verificou a influência da fase positiva do DOI sobre a porção central e sudeste, principalmente no mês de setembro de 2019, quando o DOI apresentou altos valores positivos. Nesse mês, um padrão anticiclônico anômalo sobre a porção central da América do Sul ficou estacionado sobre a região, provocando um déficit de chuvas e temperaturas muito acima do normal. Um cenário muito parecido com o que vivemos no momento!

Relembrando a onda de calor de 2019

Neste mesmo período em 2019, final de inverno e início da primavera, o Brasil enfrentou uma intensa onda de calor de forte intensidade em grande parte do país, principalmente no Centro-Oeste e partes do Sudeste. Naquela época, os termômetros também chegaram aos 40°C em muitas cidades, enquanto eram registrados valores baixíssimos de umidade relativa, nferiores a 20% em muitos casos.

A atual onda de calor é bem semelhante a vivida no Brasil em meados de setembro de 2019, quando não tinhamos um El Niño ativo.

Em setembro de 2019 não tínhamos um El Niño ativo, estávamos em uma fase neutra do ENOS, mas o DOI estava registrando valores da ordem de +1.8°C, atingindo o pico de +2.2°C no mês seguinte, o valor mais alto registrado até então.

Por esse motivo, acreditamos que, assim como em 2019, a fase positiva do DOI é a principal responsável pelo estabelecimento do bloqueio sobre a porção central do Brasil e, consequentemente, por essa intensa onda de calor, podendo também ter uma contribuição do El Niño. E sabendo que essa fase positiva do DOI continuará ao longo da primavera, atingindo seu pico máximo de intensidade em outubro, podemos esperar novos episódios de bloqueio nos próximos meses.