O atual evento de El Niño não chegará à categoria de Super El Niño

Enquanto alguns modelos apontam que o atual evento de El Niño poderá chegar a categoria de Super El Niño, equivalente ao Super El Niño de 2015/16, diversos fatores indicam o contrário disso. Vamos explicá-los!

El Niño
O atual evento de El Niño cresce em um cenário climático bem incomum, o que gera muitas dúvidas em relação a sua intensidade futura. Imagem: ClimateReanalyzer.org.

Conforme noticiamos na semana passada, a última atualização do prognóstico do Climate Prediction Center da NOAA indica uma probabilidade de 95% de chances do fenômeno El Niño - fase positiva do El Niño Oscilação Sul (ENOS)- se manter durante o trimestre de verão austral, e ainda diz que há 66% de chance desse El Niño ser de intensidade forte.

N ão há possibilidade que este evento possa se tornar Super El Niño.

Como mencionamos, nós da Meteored Brasil acreditamos que o El Niño continuará se intensificando até o início do verão boreal, mas dificilmente atinge ao limiar de um El Niño forte (anomalia de +2°C na região do Niño 3.4), tratando-se de um fenômeno de no máximo moderada intensidade. Assim, não há possibilidade que este evento possa se tornar Super El Niño, com anomalias de +2.5° C ou mais, não podendo ser comparado ao último evento de Super El Niño de 2015 e 2016.

Isso porque as previsões dos diferentes modelos (dinâmicos e estatísticos) têm apresentado divergências entre si, além de estarem alterando suas previsões a cada nova rodada de atualização. Além da grande incerteza acerca das previsões dos modelos, também observamos outros padrões que não sustentam um Super El Niño, o principal deles: a atual fase negativa da Oscilação Decadal do Pacífico.

O que é a Oscilação Decadal do Pacífico?

A Oscilação Decadal do Pacífico (ODP ou PDO, essa última sendo a sigla em inglês) é um outro tipo de padrão de teleconexão climática, que apresenta características bem similares ao ENOS. A ODP também é caracterizada por uma padrão de anomalias atmosféricas e de Temperatura da Superfície do Mar (TSM), apresentando duas fases opostas, positiva e negativa.

Na fase positiva da ODP são registradas anomalias negativas de TSM na porção oeste central do Pacífico Norte e anomalias positivas de TSM na porção leste, ao longo da costa da América do Norte, que acabam se estendendo até o Pacífico Tropical. Portanto, a fase positiva da ODP também está associada a anomalias positivas de TSM no Pacífico Tropical central e leste.

Atualmente vivemos uma fase negativa da Oscilação Decadal do Pacífico (ODP), fase que costuma não favorecer a ocorrência de Super El Niños.

Na fase negativa, observamos o padrão oposto, com anomalias positivas na porção oeste e central do Pacífico Norte e anomalias negativas na porção leste, além de anomalias negativas de TSM na porção central e leste do Pacífico Tropical. Portanto, no geral, os padrões espaciais de anomalias de TSM da ODP e do ENSO são muito semelhantes, com exceção das regiões de magnitudes máximas de anomalias. No caso do ENOS o destaque são as anomalias no Pacífico Tropical, já para a ODP são as anomalias opostas que ocorrem no Pacífico Norte.

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A maior diferença entre o ODP e o ENOS são suas escalas de variabilidade temporal: enquanto o ENOS é um fenômeno de variabilidade interanual, oscilando a cada 3 ou 7 anos, a ODP é de variabilidade decadal, oscilando de fase a cada 20 a 30 anos.

Por apresentarem padrões semelhantes, quando a ODP e o ENOS estão na mesma fase, um padrão reforça o outro! Isso quer dizer que quando ambos estão ocorrendo ao mesmo tempo e na mesma fase, ODP positiva com ENOS positivo (El Niño), por exemplo, suas anomalias associadas e seus impactos são amplificados. Enquanto em fases opostas, ODP negativa com ENOS positivo, por exemplo, seus impactos podem ser reduzidos.

Atualmente, estamos vivendo uma fase negativa da ODP, com valores mensais bem negativos, inclusive essa fase da ODP impulsionou o último evento de La Niña. Como vimos anteriormente, o El Niño seria amplificado se estivéssemos em uma fase positiva da ODP, assim como ocorreu no caso do Super El Niño de 2015 e 2016. Portanto, o cenário atual é muito diferente do último evento de Super El Niño.

Um El Niño incomum

Outro ponto importante a ser ressaltado é que a atual situação climática que vivemos é muito incomum, com o El Niño emergindo em um cenário de oceanos globais muito aquecidos. Em eventos passados, geralmente o El Niño era o principal padrão oceânico de anomalias positivas de TSM ocorrendo no mundo, agora já não podemos dizer o mesmo.

Nunca registramos o desenvolvimento de um El Niño em um cenário de temperaturas oceânicas globais tão quentes, como temos observado atualmente. Esse é um grande fator de incertezas para as previsões climáticas.

Atualmente temos registrado sucessivos recordes diários de temperatura média dos oceanos, com valores nunca antes observados, isso bem antes do El Niño estar em sua intensidade máxima, o que é muito incomum. Dessa vez, o Oceano Atlântico Norte tem sido o principal impulsionador desses recordes.

Outro ponto importante é que a atmosfera tem demorado a responder ao atual El Niño, não agindo da forma esperada. Isso pode estar associado a não existência de um padrão de anomalias opostas entre a porção oeste e a porção central/leste do Pacífico Tropical, pois as anomalias positivas de TSM estão presentes em toda sua extensão. Essa diferença de TSMs é crucial para a alteração da célula de circulação de Walker. Por esse motivo, grandes centros como a Bureau of Meteorology, ainda não confirmaram oficialmente o início do El Niño.