Muro no antigo Peru foi construído para proteger contra as chuvas do El Niño

As muralhas encontradas no antigo Peru, pertencentes ao povo Chimú, foram construídas para se proteger das intensas chuvas geradas pelo El Niño. Também conseguiram relacionar essas paredes com sacrifícios humanos.

Muralha no Peru
Os dados fornecidos pela datação por carbono 14 indicam que as paredes foram construídas por volta do ano 1100 após um forte episódio de El Niño. Imagem: Gabriel Prieto/Huanchaco Archaeological Project.

Os resultados de uma investigação recente conseguiram verificar que uma antiga muralha em uma área desértica do norte do Peru foi construída para proteger terras agrícolas e canais dos estragos das enchentes causadas pelo El Niño.

O El Niño ocorre quando os ventos alísios de leste enfraquecem sobre o Pacífico equatorial, permitindo que as águas mais quentes se aproximem das costas da América do Sul, com um aumento da precipitação que afeta especialmente o Peru.

Esta parede é conhecida como Muralha La Cumbre e está localizada perto de Trujillo. Arqueólogos que lá trabalharam sugeriram que o muro foi construído pelo povo Chimú para proteger suas terras das invasões dos incas, com quem mantinham uma longa inimizade. Agora, segundo relata a Live Science, as últimas pesquisas confirmam a teoria de que a parede de terra, que se estende por 10 quilômetros pelo deserto, foi construída para conter inundações devastadoras durante as fases mais úmidas do ciclo meteorológico do norte do Peru.

As fortes chuvas associadas ao El Niño no Peru e no Equador ocorrem há milhares de anos e representam um grande perigo para povos como os Chimú. O trabalho de pesquisa foi realizado por uma equipe de arqueologia da Universidade da Flórida. Os resultados são mais do que interessantes porque relacionam os efeitos meteorológicos com estágios anteriores do desenvolvimento humano.

Muralha para proteger cultivos

Fazendo história, a Live Science destaca que o reino Chimor ao qual pertencia o povo Chimú surgiu por volta do ano 900 d.C. nos territórios outrora ocupados pelo povo Moche. É por isso que o período Moche às vezes é chamado de "Chimú mais cedo". Esta cultura adorava a Lua, uma diferença substancial com os Incas que focavam seu culto na adoração ao Sol. Conseguiram ser independentes por quase 6 séculos, até serem conquistados pelos incas por volta de 1470, poucos anos antes da chegada dos espanhóis à América.

A muralha foi construída para proteger as plantações das chuvas associadas ao El Niño.

Hoje, os Chimú são conhecidos por sua cerâmica e metalurgia, bem como pelas ruínas de sua capital, Chan Chan, um Patrimônio Mundial das Nações Unidas. O arqueólogo Gabriel Prieto, parte desta investigação, examinou a Muralha La Cumbre de 2,5 metros de altura e encontrou camadas de sedimentos de inundação apenas em seu lado leste, sugerindo que foi construída para proteger terras de cultivo de Chimú localizadas a oeste, próximo à costa.

Datações de radiocarbono das camadas mais baixas revelam que a construção do muro começou por volta de 1100, possivelmente após uma grande inundação do El Niño naquela época, o que os levou a olhar para o futuro. A muralha foi construída sobre dois leitos de rios secos que transbordam durante as chuvas do El Niño. Evitar inundações em terras agrícolas também teria protegido Chan Chan, que estava conectado a eles por uma rede de canais. Prieto considerou que, até certo ponto, o muro funcionava como uma espécie de barragem. A pesquisa ainda não foi publicada, está em revisão por pares.

A relação com sacrifícios humanos

A atividade investigativa de Prieto na área tem sua história, pois ele encontrou evidências de sacrifícios em massa de crianças em locais de Chimú, incluindo os restos mortais de 76 vítimas em Pampa La Cruz, perto de Huanchaco, a poucos quilômetros a noroeste de Trujillo. Prieto acredita que as enchentes causadas pelo El Niño, que forçaram a construção do muro do deserto, também podem estar relacionadas aos sacrifícios.

Sacrifícios humanos
Restos de sacrifícios humanos feitos pelo povo Chimú que podem estar relacionados a oferendas antes dos eventos catastróficos do El Niño. Imagem: Universidade Nacional de Trujillo.

Com a datação por radiocarbono, o pesquisador conseguiu determinar que uma das camadas de sedimentos ao longo da parede é de cerca do ano 1450, o que corresponde ao sacrifício de mais de 140 crianças e 200 lhamas em outro local de Chimú. Com esses dados, Prieto acredita que é provável que os Chimú estivessem cientes dos perigos das enchentes causadas pelo El Niño, que aconteciam a cada poucos anos, e que os líderes de sua sociedade aproveitassem o desastre recorrente para consolidar sua autoridade com sacrifícios.

O povo Chimu descende de pessoas que viveram nesta região por 10.000 anos, então eles conheciam claramente o comportamento do clima. Além do efeito direto do El Niño, não se descarta que houve um jogo político por trás das ações que estavam sendo tomadas. Outros pesquisadores aderem à ideia de Prieto, da muralha usada como barreira para as águas, mas não descartam que ela possa ter servido também para defesa de invasores.