O "fantasma" de uma colisão cósmica foi descoberto no aglomerado de Perseu
Um novo estudo detecta vestígios de uma colisão galáctica na constelação de Perseu. Graças a lentes gravitacionais e simulações, um evento antigo que transformou sua estrutura interna é revelado.

Durante décadas, Perseu foi considerado um sistema galáctico estável, sem vestígios de eventos violentos recentes. Seu formato simétrico, o gás quente em equilíbrio e a presença de um fluxo de resfriamento indicavam calma cósmica. No entanto, certos detalhes contaram uma história diferente.
Astrônomos notaram estruturas estranhas: gás deslocado para um lado, uma distribuição alongada de galáxias e enormes frentes frias se estendendo por centenas de milhares de anos-luz. Essas pistas, embora sutis, apontavam para um evento violento escondido em seu passado.

Apesar de vários estudos, uma segunda massa significativa o suficiente para explicar tais alterações nunca foi detectada. Isso deixou a questão em aberto: Perseu teria sofrido uma grande colisão galáctica sem deixar nenhum vestígio aparente?
Um estudo recente, combinando imagens do Telescópio Subaru e técnicas de lentes gravitacionais fracas, resolveu o mistério. Finalmente, a massa que faltava dentro do aglomerado foi identificada e, com ela, a marca invisível de uma antiga fusão cósmica.
Um visitante fantasma a oeste
A nova análise revelou uma concentração de massa escura centrada em NGC 1264, uma galáxia espiral localizada a 430 quiloparsecs do núcleo principal. Essa estrutura secundária é a chave para entender as anomalias observadas no sistema.
Com uma massa estimada de 170 trilhões de vezes a do Sol, essa subestrutura se encaixa no perfil de um antigo aglomerado menor que interagia dinamicamente com o principal. Sua detecção foi possível graças às distorções que ela gera na luz de galáxias mais distantes, conhecidas como lentes gravitacionais.
Além disso, uma "ponte de massa" foi identificada entre as duas regiões, uma fina faixa gravitacional que conecta o núcleo principal com seu companheiro e acredita-se que seja feita de matéria escura. Sua existência confirma que ambos os objetos interagiram intensamente no passado.
O alinhamento das galáxias, o padrão de velocidades e o formato do gás quente se encaixam nesse modelo. Tudo indica que a colisão não foi frontal, mas sim em leve ângulo, o que gerou as estruturas observadas sem destruir completamente o visitante.
Simulações que revivem o passado
Para confirmar essa hipótese, os pesquisadores usaram simulações numéricas que modelam a evolução de dois aglomerados conforme eles colidem. Parâmetros como velocidade inicial, massas relativas e inclinação do encontro foram ajustados para que, ao executá-lo, fossem obtidos parâmetros semelhantes aos observados.
O modelo mais compatível mostrou uma fusão que ocorreu há 5,5 bilhões de anos. O objeto intruso sobreviveu a múltiplas passagens pelo núcleo principal, gerando frentes de gás frio e acumulando matéria entre os dois núcleos.

As imagens geradas por essas simulações estão em notável concordância com as observações atuais: uma frente fria a 700 quiloparsecs, uma massa secundária ainda visível e uma ponte com densidade semelhante à estimada por lentes gravitacionais.
Esses resultados descartam a ideia de que o visitante tenha se desintegrado completamente. Eles também explicam por que a região central do sistema parece tão calma e ininterrupta, apesar de ter sido palco de uma colisão cósmica de alto impacto.
Consequências invisíveis, mas duradouras
Essa descoberta não apenas resolve um mistério astronômico, mas também abre uma janela para o estudo de fenômenos difíceis de observar, como o comportamento da matéria escura durante colisões em larga escala e as interações entre galáxias aparentemente desconexas.
Um dos elementos mais intrigantes são as frentes frias, aquelas camadas de gás denso que parecem resistir à passagem do tempo. Acredita-se que os campos magnéticos desempenham um papel vital na preservação deles ao longo de bilhões de anos, e é graças a esses campos que podemos apreciá-los hoje.
Ao entender melhor como essas estruturas se formam e se mantêm, os cientistas podem estimar a intensidade do magnetismo cósmico e refinar modelos de evolução de aglomerados de galáxias.
Graças a esse trabalho, Perseu deixou de ser um aglomerado sem história, e hoje podemos entender como as interações ocorrem no cenário de um evento antigo e titânico, cujas cicatrizes pouco visíveis revelam a violência oculta do Universo.